domingo, 18 de setembro de 2011

Os Farrapos de Dignidade de Poliana


Ouvindo ao fundo o som choroso da cordeona, Poliana observava, concentrada, o entrevero a sua frente. Achava interessante aquele aglomerado de homens pilchados, com facas na cintura, lenços no pescoço e um estranho orgulho na face. Que força peculiar movia essa gente nessa época do ano? - perguntava-se a jovem rainha. De onde provinha essa estranha nostalgia, essa saudade fantasiosa e melancólica de tempos e lutas que jamais vivenciaram? Que enigmático fascínio exercia esse tal ideal farroupilha para essa gente singular? Poliana conhecia bem o poder que alguns ideais poderiam assumir em uma tropa ingenuamente disposta a aceitar convenientes e vistosos arreios. Poliana aprendera, em sua vida engajada na servidão ao seu clã, que os ideais de liberdade e justiça podiam se tornar perigosos se não pudessem ser contidos pelo cabresto firme e rígido dos interesses e de interesseiros.
Chegava a seus ouvidos o rufar trovejante de uma marcha intimidadora. Uma tropa tímida mas de alma haragana, ainda descrente de seu potencial, mas convicta em suas certezas. Seguiam a trilha tortuosa da dignidade perdida, ladeando a corrupção, rumo ao passo transparente da decência na política. Repontava por esses pagos um lampejo de rebeldia, uma chama tênue de candeeiro que poderia propagar-se rapidamente se não fossem tomadas medidas para conter essa indiada que até então fora convenientemente servil e submissa. Poliana e seus pares temiam que o clamor por ética pudesse desembestar descontrolado por essa terra que hoje era deles, os calaveras. Não convinha aos donos do poder e das propinas que essa gauchada arisca se encontrasse novamente com antigos ideais de liberdade e transparência. A irreverência e rebeldia de um povo era apropriado que permanecesse eternamente embretado. Nossa jovem e destemida rainha há muito trocara seu cérebro povoado de sonhos por uma guaiaca repleta de ouro. De cerne ambicioneiro, aprendera muito rápido que o poder compra favores e idolatria e os sonhos só geram ideologias e utopias de muito pouco valor no mercado. Por isso sem demora apeara dessa égua coxa e matunga chamada Ideologia.
Poliana alvorotava-se com essa marcha que surgia. Esperava que os ouvidos de sua tropa continuassem surdos ao vozerio dessa gente de alma coronilha, que o minuano trazia. Esse campo, mesmo pequeno, era seu e de seu clã! Nenhum ideal travestido, de lenços no pescoço ou bandeiras nas mãos, tiraria de Poliana as rédeas desse reino onde a ilusão era lei e a fantasia era o meio de se manter seguros os freios da dignidade e da honra.

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