sábado, 25 de fevereiro de 2012

As Impróprias Relações da Rainha


A atmosfera no interior da redoma da rainha era de desolação. Recostada nas almofadas de cetim, vestida com uma surrada camiseta do Che Guevara e enrolada em uma bandeira vermelha, Poliana era o retrato do abandono. Folhava, nostálgica, um amarelado álbum de fotografias, sob a pálida luz do abajur. Na vitrola um velho LP do Wando. Poliana não conseguia aceitar esse afastamento forçado de seus amados. Que crueldade de Justiça separá-la assim tão intempestivamente dos irmãos Grafite. Esse fora o mais duro golpe no coração da rainha. Quanta saudade sentia. Agora, só as lembranças aqueciam a alma de sua alteza. E eram tantas as boas recordações. Poliana e os Grafite eram inseparáveis. Não havia segredos entre eles. Almas gêmeas, todos diziam. Os três se completavam. Poliana lembrava bem de quanto os vira pela primeira vez em uma passeata de estudantes grevistas. Ela e os dois irmãos estavam entediados com a chatice da manifestação. Entraram no movimento apenas para cabular aula e, no entanto, aquele dia mudaria para sempre suas vidas. Com os ambiciosos Grafite Poliana aprendera que poderia ser um bom negócio misturar-se aquele esquisito grupo de barbudos barulhentos. A partir de então, os três eram inseparáveis. Os dois irmãos sempre afirmaram que um dia lhe tornariam rainha, recorda-se Poliana com seus românticos olhinhos de biscuit rasos d’água. Era como se fosse ontem, o primeiro desvio ético cometido furtivamente sob a benção das estrelas. As primeiras propinas trocadas sorrateiramente no sofá da mamãe. Poliana nunca se cansava de apreciar a agilidade dos Grafite na hora de contar cédulas, e os dois se deslumbravam com a quantidade delas que Poliana trazia em tão diminutas calcinhas. Quando Poliana chegara ao trono a relação se aprofundara ainda mais. A voracidade dos Grafite se tornava cada vez maior. Poliana tinha dificuldades em satisfazer tanto apetite. As propinas se tornaram mais ousadas e os desvios éticos mais exigentes. As confidências e cochichos trocados pelos três nos cantos do palácio real, começaram a despertar a inveja dos mal amados. Fora aí que seu castelo de cartass começara a se desfazer. A pecaminosa relação entre Poliana e os Grafite já não era mais segredo no reino. A paixão desmedida fez com que o lúdico trio esquecesse das devidas precauções em suas locupletações. Locupletavam-se desenfreadamente em cada sala do castelo. Começaram a aceitar que outros companheiros participassem das orgias. Aqueles que ficavam de fora desse idílio corroíam-se de despeito. Orgulhosa dessa relação, a rainha mandara exibir seu amor em vistosos cartazzes, despertando a ira dos conservadores súditos de sua majestade. E foi assim que Justiça, reacionária e ultrapassada, resolvera dar um fim no romance. Proibira que Poliana e os Grafite continuassem essa tórrida e imprópria amizade.
Agora, Poliana precisava seguir sua vida sem a presença constante de seus inestimáveis Grafite. Enganavam-se os moralistas do reino que acreditavam ter conseguido por fim a pecaminosa aliança. Os laços que uniam os três suplantavam toda e qualquer convenção ética e moral. “Justiça pode ter nos afastado, mas jamais acabará com nossa sólida e lucrativa sociedade”- pensa a sempre insaciável rainha. A temporada de gozo e deleite desse ousado trio ainda não terminara.

Um comentário:

  1. Pobre Poliana, ficou sem mel e sem porongo!
    Será que a majestosa Rainha se renderá as evidencias e ficará apartada de sua pecaminosa aliança?
    Ficarei na expectativa dos próximos capítulos.
    Um abração
    Ane

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