sábado, 26 de janeiro de 2013

Grandes alianças, novos desafios


A conhecida dupla causava alvoroço por todas as ruas onde passava. Não havia gente nesse reino que não conhecesse as duas figuras que caminhavam lado a lado. Ambos haviam sido estrelas desse reino distante. Cada qual com sua grandeza e suas incorreções. Hoje se juntavam para eclipsar outra estrela. Um objetivo comum unia esses antigos rivais.
- Quem diria, hein Zangão? Nós dois andando assim, do mesmo lado. – comenta Chucrute entre um aceno e outro para as pessoas no alto das casas.
- É. O mundo dá voltas. – concorda Zangão, o sisudo, econômico até nas palavras.
- Trezentos e sessenta e cinco dias e seis horas, um ano, é o tempo que a Terra leva para dar a volta em torno do sol. E um dia para concluir uma volta em torno do próprio eixo. – explica de forma calma e arrastada, o alemão - Você sabia disso, não é?
- Ouvi dizer. – responde o outro, conciso como sempre.
- Então vejamos. Eu fui rei por quatro anos, daí você me tirou a coroa. Você reinou por oito anos e então veio Poliana. Lá se foram quatro anos. São dezesseis voltas em torno do sol, e em torno de si devem ter sido...
- Em resumo. – interrompe Zangão impaciente – É como eu disse. O mundo dá voltas.
- E se continuar no rumo que está, vai virar de cabeça para baixo. – acrescenta Chucrute um tanto divertido com a cara fechada do novo companheiro de andanças.
- Pelo visto, já virou. - afirma o homem mais velho enquanto cumprimentava um grupo de comerciantes. - Vê se tem cabimento todos esses banners e outdoors espalhados pelo reino. Quanta mentira colorida! Enquanto isso o antigo castelo está caindo aos pedaços. Deve ser o que se chama hoje em dia de tombamento. Deixar tombar de vez.
- É o conceito novo que a turma de Poliana implantou no reino: a realidade virtual. Tudo é virtualmente perfeito e maravilhoso nas propagandas pagas com recursos públicos. - esclarece Chucrute dobrando mais uma esquina - Você alguma vez chegou a imaginar que nós dois estaríamos juntos um dia? - pergunta o ariano, sempre questionador.
- Nem nos meus pesadelos. – responde o sisudo, nem um pouco diplomático. – Mas agora é hora de pensar no futuro do reino. Não podemos deixar que o lugar onde criamos nossas raízes acabe, isso sim, em um verdadeiro pesadelo.
- É assim que se fala! Essa não é só nossa meta conjunta, é nossa obrigação. Por ela esquecemos até nossas implicâncias. Não podemos deixar que Poliana e seu clã transformem nosso lar em reduto de ratos e larápios. O futuro dessa terra e de seus filhos depende de nossa aliança – afirma o ariano convicto, abanando para os transeuntes.
- Temos de defender o dinheiro suado dos contribuintes. Olha só quanto buraco! Onde é que essa gente enfia nosso dinheiro, meu Deus?! Devem gastar tudo em propaganda e marketing. Que enorme desperdício de dinheiro! – revolta-se Zangão, com sua eterna e conhecida preocupação com as finanças.
- Olá dona Filomena! Que saudade! – Chucrute dirige-se a uma idosa beijando-a calorosamente na face. - E o velho Astrogildo, como está. Melhor do reumatismo?
- Vai se levando seu Chucrute. O véio tá deitado, tá com dor nas junta e farta remédio nos postinho. Mas que sastifação ver o senhor aqui! E o senhor seu Zangão! Vamo chegando. – convida a senhora, hospitaleira.
- Hoje não dá, dona Filó. Mas me fala da sua cunhada Oldearina e do filho da prima da vizinha dela, o Clodoaldo, como estão todos. E a cachorrada! Pelo visto a Rapunzel tá prenhe de novo! – exclama fazendo festa para a vira-latas pançuda que se achegava. – E o Sansão, tá dormindo, aquele gato preguiçoso?
- O Sansão morreu, seu Chucrute. Já tava veinho, o pobre.  – lamenta a senhora.
- Ó, que pena. - lastima, apertando a anciã contra o peito - Mas nós temos que ir, dona Filomena. Outro dia, com mais tempo, eu venho tomar um mate com a senhora e seu Astrogildo e comer aquele bolo frito que só a senhora faz. - despede-se, beijando novamente a comovida idosa.
- Eu não sei como você faz isso. – diz Zangão, balançando a cabeça com um discreto torcer de lábios que quase parecia um sorriso.
- Faço o que? – pergunta o outro, após desvencilhar-se de mais um festival de beijos e abraços.
- Guardar todos esses nomes. – responde Zangão enquanto apertava solenemente a mão de dezenas de pessoas e respondia com cortesia os inúmeros cumprimentos.
- Eu tenho facilidade com nomes e excelente memória. – responde Chucrute, dando de ombros.
- Mas saber o nome até dos cachorros!? Bota memória nisso! – exclama o outro, quase divertido.
- Falando em memória, eu ainda não esqueci aquela história da caixa preta, viu? – acrescenta Chucrute enquanto beijava uma mãe com cinco filhos e passava distraidamente uma criança mijada para os braços de Zangão.
- Pois esqueça. Eu já esqueci. – responde Zangão, depois de devolver o “presente ensopado” ao novo amigo - A caixa preta, a essas alturas, com tantas voltas e tanto tempo, desbotou. Já virou cinza, isso sim.
- Tá bom. Vou deixar passar. Pelo menos por enquanto. Temos que nos concentrar em derrubar nosso alvo, depois resolvemos nossas diferenças. Opa! Cuidado com o buraco! – alerta Chucrute, puxando o outro pelo braço.
- Isso mesmo. Vamos pensar em nosso objetivo e esquecer o passado. Vamos unir nossas qualidades para superar nossos defeitos. Sem críticas, um aos defeitos do outro. Que tal? – propõe Zangão.
- Ótima ideia! Me da cá um abraço, seu ranzinza – exclama Chucrute, com seu jeitão efusivo, pegando Zangão desprevenido e tacando-lhe um abraço apertado.
- Não exagera! – rosna Zangão, pouco afeito a demonstrações exageradas de afeto, mesmo em suas antigas excursões a Horário Eleitoral. – Daqui a pouco vai me beijar também. Ninguém nunca lhe disse que você às vezes se excede?
- Sem críticas! – lembra Chucrute, não dando importância para os resmungos do outro - Cuidado com o buraco! – avisa, puxando novamente Zangão pelo braço.
- Eu tô vendo! Como que não ia ver um buraco desse tamanho!
- Sei, lá. Sabe como é? Na sua idade os reflexos são mais lentos... – responde o alemão, fazendo troça.
- Que idade, que nada! – retruca Zangão ofendido – Duvido que você tenha o meu fôlego quando chegar na minha idade. – acrescenta encolhendo a barriga e estufando o peito – Isso se chegar lá.
- É, até que você está em forma. Nós já fizemos uma boa pernada hoje.
- Anos de prática. E experiência. Isso nós dois temos. É uma das nossas vantagens.
- Mas é bom voltarmos agora. Tá muito esburacado por aqui e não quero correr o risco de ver o meu “velho” novo amigo torcendo o tornozelo. – continua Chucrute, novamente implicante.
- O “velho” aqui veio preparado. Se você não notou eu estou calçando meus Guides. Posso caminhar mais uns quilômetros. Vamos lá, vou te mostrar quem é velho, seu alemão beijoqueiro. – acrescenta Zangão apertando o passo e subindo mais uma ladeira.
- Guides, é? Pensei que fossem Conga. – grita Chucrute gargalhando e correndo para alcançar o novo parceiro dessa singular caminhada que ainda movimentaria muito os ânimos desse nada pacato reino.

4 comentários:

  1. Além da criatividade, da perspicácia, você revela um profundo e esmerado senso de OBSERVAÇÃO, destacando-se a MAESTRIA em passar para a escrita um texto tão rico de detalhes e combinações que nos encantam e fazem rir até ás lágrimas. Obrigada poe estes momentos especiais e PARABÉNS !...

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  2. Vc e perfeita, q humor maravilhoso p apontar detalhes do cenario politico, alem das personadades um tanto exageradas, mas de uma verossímilhança impressionante. Continuo tua admiradora, vc esta cada dia mais criativa, pena q os olhinhos de biscuit estejam marejados de lagrimas se despedindo do palacio...

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  3. A Dona Filomena é que sabe das coisas, realmente o remédio sumiu dos postinhos. Boa.

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  4. Muito bom como me divirto lendo! Ahahah esse reino é rico todos querem continuar pu voltar para o mesmo!! A boquinha é boa...

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