sábado, 5 de janeiro de 2013

Poliana na Clausura


O amanhecer frio e nublado condizia com o atual estado de espírito de Poliana. Esta, andava de um lado a outro de sua nova e enorme sala. Olhava distraída a ampla vista do reino que as grandes janelas propiciavam aos hoje nostálgicos olhinhos de biscuit. Vez por outra, soltava um suspiro condoído. Não seria fácil acostumar-se a essa nova vida de monarca deposta. O antigo título lhe caía tão bem! Colara-se a seu nome em perfeita simbiose: rainha Poliana. Do trono já não sentia tanta falta. Com ele guardara uma relação mais de parasitismo, e Poliana aprendera com seus companheiros que sempre era possível parasitar, mesmo longe do poder. O confinamento é que estava lhe incomodando. Se a intransigente e radical Justiça mantivesse sua perseguição desmedida, Poliana estaria condenada a permanecer oito anos nessa enorme torre de mármore. Obrigada a assistir, de um local privilegiado, a todos os fatos do cotidiano do reino sem contudo participar da festa. Nem um reles carguinho poderia ganhar de presente. Sem ao menos uma corja de bobos a lhe bajular. Que maldição haviam rogado contra a doce e inofensiva Poliana? Pura bruxaria, sem sombra de dúvida.
Poliana estava na torre há menos de três dias e já se encontrava injuriada com o que via de seu reino.
- Um piá! Um fedelho que mal largou as fraldas. Deram a minha adorada coroa para um pirralho que até esses dias andava todo mijado pelo milharal! É o fim! – indigna-se Poliana, gesticulando dramaticamente.
- Mas você já sabia que seria assim, Poliana. Estava tudo arrumado por nosso clã. Você concordou com tudo. – lembra com a voz serena o velho Espelho Mágico.
- Eu estava meio entorpecida com todos aqueles bombons de amarula. Vocês me trapacearam, isso sim! – afirma revoltada.
- De qualquer forma, magnânima, nós precisávamos colocar um dos nossos no trono. E o jovem Farofinha era o que tínhamos no momento. – argumenta o conciliador Espelho Mágico
- Porque não colocaram logo o Golesminha? Ele já anda se achando o novo rei há semanas, todo empertigadinho, chacoalhando aquela franjinha ridícula e abanando até pras pombas da praça. – ironiza afinando a voz e imitando o velho companheiro de clã.
- Não podíamos queimar o Golesminha agora. Ia estragar nossos planos futuros. Por isso escolhemos o jovem Farofinha que é insosso e cai bem com qualquer coisa. Se não agrada, também não desagrada.
- Ele não tem nenhuma experiência, nenhum traquejo social. Vai ser um fiasco, você vai ver. – continua Poliana com nítido despeito.
- Ele veio dos movimentos sociais e traz a força do homem do campo, da agricultura familiar. Isso sempre comove o povão e faz os intelectuais verem estrelas onde só há lixo.
- Que agricultor coisa nenhuma! Esse guri caiu, assim como eu, de paraquedas no nosso clã. Enxergou uma oportunidade de se infiltrar nesses movimentos barulhentos e sem qualquer serventia para o povo, enrolou os pobres dos colonos, começou a mamar nas tetas desde cedo e nunca mais largou. Da vida no campo não entende nada. Não sabe a diferença entre uma mandioca e um repolho. Guarda essa conversa mole pro povão, Espelho Mágico. Eu sou cria da companheirada, conheço todas essas artimanhas.
- Desculpe, Poliana. Você tem razão. Mas precisamos nos contentar com ele até que consigamos eleger outro de nossos companheiros para o trono. Não podíamos correr o risco de deixarmos as chaves do cofre com gente que não fosse de nossa matilha.
- Mas tinha de ser justo ele? Ele é tão jovem! Não deve nem saber roubar direito.
- Nem vai ter tempo pra isso, Poliana. E depois, não se esqueça de que você sempre se orgulhou de ser uma jovem rainha.
- É justamente isso que está me enlouquecendo, você não entende?  Eu fui e sempre serei a rainha mais jovem, destemida e empreendedora desse reino. Esse outro é, e sempre será, um piá de bosta! Vão querer tirar até o meu título de mais jovem rainha também? Eu já não fui humilhada o bastante?! – acrescenta fazendo beicinho. – O mais irônico de tudo, é que a única que pode me libertar dessa torre é a malvada Justiça. Só ela pode mudar meu destino e permitir que eu arranque a coroa daquele pivete insolente. Que destino cruel! Onde foi que eu errei?! – exclama a rainha deposta e a cada dia mais descomposta, jogando-se chorosa no divã.

Um comentário:

Havendo dificuldades na postagem dos comentários, o campo URL poderá ser deixado em branco.