domingo, 10 de março de 2013

A revolta dos decapitados paira sobre Poliana


A temporada longe do trono e de sua redoma de vidro fumê fizera maravilhas a Poliana. Sua alteza voltara revigorada e com uma nova visão do reino. Conhecera os buracos no asfalto ao menos, e tratara de colocar seus serviçais a cobri-los assim que reconquistara a coroa que lhe fora temporariamente confiscada. “Talvez eu deva sair com maior frequência de minha redoma.” – pensa Poliana – “ E sem a companhia de meu cortejo de pajens e bobos. A  algazarra e as adulações deles prejudicam minha visão e meu olfato.” – conclui a rainha, num rápido lapso de bom senso.
Não foram apenas os buracos no asfalto que nossa rainha aprendera a reconhecer. Amizades fraternas foram perdidas. Alianças desinteressadas se romperam. Discursos calorosos esfriaram. Interesses requentados voltaram ao cardápio. Depois de tudo isso, Poliana jamais seria a mesma. Nem sua majestade, nem sua corte de bobos. Satisfazer as novíssimas amizades parecera fácil no princípio. Bastava aplicar a velha fórmula matemática de trocar apoio por carguinhos. Mas acomodar tanta gente superava as leis da física. Eram muitos os glúteos para tão poucas poltronas. E cada um de seus aliados achava que seus adoráveis traseiros mereciam as mais robustas cadeiras. Como faltavam cadeiras em seu reino! - desesperava-se a experiente monarca. – Quase tanto quanto faltavam curandeiros e remédios. Mas desses últimos apenas seu povo sentia falta. Já a escassez de cadeiras e troninhos provocavam uma dor de cabeça danada em Poliana e muita dor de cotovelo em seus companheiros. Fazer o que? Poliana precisava decepar algumas cabeças. Cabeças pequenas, já que conseguira acomodar quase todos os ânimos do alto escalão. Mas cabeças pequenas também abanaram bandeirinhas e exigiam seu lugar nas turgidas e convidativas tetas públicas. A revolta dos decapitados ainda renderia alguns transtornos a Poliana. Por enquanto seus velhos e novos bobos da corte ainda se divertiam com a recém aberta temporada de caça as bruxas. Regozijavam-se perseguindo os serviçais de carreira dos quais não podiam simplesmente se livrar. Era puro deleite. Sua vasta corte adorava esse período de festividades. Alguns viviam apenas para esse momento, como seu povo para o Carnaval. Outros se dedicavam a caçada com muito mais disposição e ímpeto do que jamais se dedicaram a seu reino ou seus trabalhos. Se sua rainha conseguisse o milagre de transformar rancor e picuinhas em empenho e respeito pelo suado dinheiro dos contribuintes, conquistaria seu verdadeiro reinado de oportunidades. Uma pena que Vontade Política, sua varinha de condão, não surtisse efeito nesses casos. Aliás, Vontade Política sempre funcionara muito melhor em Horário Eleitoral. Devia ser o clima tenso de Mundo Real que circuitara a coitadinha.
Mas Poliana, agora mais madura e calejada, sabia que o fervor da caça as bruxas tinha tempo limitado. Logo, logo sua nova corte precisaria mostrar a que veio. Essa era a parte que Poliana mais temia. “Tomara que eu tenha feito as escolhas certas dessa vez.” – suspira a ressabiada rainha. Afinal, decisões muito mais simples, mas desastrosamente equivocadas, quase fizeram com que sua majestade fosse decapitada também. Sentir o fio da navalha tão próximo de seu delicado pescoço ainda causava certa revolta em suas entranhas reais. Quem sabe Poliana consiga escapar ilesa da revolta dos companheiros decapitados pela rainha. “ As cabeças cortadas não farão falta ao meu reinado, mas os braços que abanam bandeirinhas sempre podem ser úteis no futuro. Sorte minha, que meus aliados só guardam rancor dos adversários e jamais se voltariam contra a carismática e doce Poliana. Com todo meu traquejo e doçura não corro o risco de passar de rainha a bruxa.” – pensa Poliana, seguramente protegida da caça as bruxas.


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