sábado, 13 de abril de 2013

Uma Orquestra a Serviço da Rainha


Poliana estava preocupada com os rumos de seu reinado. Precisava colocar sua coroada cabeça para funcionar com mais criatividade que nos anos anteriores. Ninguém mais aguentava as requentadas notícias de seus gloriosos e majestosos feitos passados. Cedo ou tarde, Imprensa Livre começaria a cobrar de sua alteza alguma inédita obra.  Isso sem falar em Oposição, que mesmo moribunda e desarranjada, ainda podia causar dores de cabeça a magnânima. Era urgente algum novo e vultuoso projeto de seu reinado. Algo colorido e brilhante, capaz de hipnotizar a seus súditos e de preencher todos os gigantescos banners e cartazzes que Poliana astutamente plantara nas principais avenidas do reino. Por enquanto, só o que Poliana conseguira pôr em prática era sua sistemática troca do gramado e das flores dos canteiros centrais. Mas até isso já se tornara monótono. Daqui a pouco, algum súdito ecologicamente correto acabaria questionando qual a necessidade de se trocar toda a grama do reino a cada nova estação do ano. Pessoas de visão estreita. Não compreendiam que o plantio de recursos públicos sempre produziam algum lucro à rainha e sua trupe. Sorte de Poliana que seus súditos pouco entendiam de botânica.
Para auxiliar no complexo dilema real, Poliana abrira a temporada de espetáculos e pirotecnia de sua idolatrada e consagrada Orquestra Partidária (OP). Que maravilhosa criação essa, de seu clã. Na falta de coisa melhor para mostrar, ou na temível e corriqueira presença de coisa alguma, bastava montar o circo que sua afinada e adestrada orquestra garantia o show. Com muita pompa, ilusionismo e, é claro, marketing e mídia, faziam quase nada parecer quase tudo. Quase ninguém virava uma multidão. Canchas de bocha viravam prioridades absolutas. Churrasqueiras tornavam-se obras de vital importância para seu adorado povo carente de esgoto. Verdadeira catarse dos intelectuais. Mais uma vez, para felicidade de Poliana, a maioria dos intelectuais sem cabresto nunca frequentaram tais espetáculos pirotécnicos. Se isso acontecesse, poderiam ter a falsa impressão de que se ofereciam migalhas aos pobres. Muito circo para pouco farelo.  Preferiam, os sabidos, criticar os reality shows e as alienantes novelas da TV, as quais fervorosamente assistiam com o único e politicamente correto hábito de se rebelar contra cenas tão nefastas e hediondas. Verdadeiros atentados à sociedade pensante. Sorte de Poliana e sua turma, que os doutores preferiam cochilar assistindo as manobras no BBB do que se revoltar com os maniqueísmos estapafúrdios da politicamente correta OP. Pobres de espírito aqueles que questionavam sua inigualável OP. Mas até sua formidável e popular orquestra podia vir a causar problemas a Poliana. Após tantos anos e eventos, as prioridades começavam a se agigantar. Não havia mais nenhum recôncavo de seu reino que já não contasse com uma academia ao ar livre ou um campinho de futebol. Até mesmos as tampas de bueiro tornaram-se excessivas e supérfluas. Cedo ou tarde os membros da orquestra, por mais cabresteado que fossem, acabariam olhando mais longe. Vislumbrariam conquistas maiores e mais úteis. Começariam a sonhar com futilidades. Creches, escolas ou saneamento básico. Que Deus proteja Poliana desse consumismo desmedido, lastimável legado de uma patética sociedade capitalista. Melhor começar a pensar nesse negro e sombrio futuro, reflete, preocupada, nossa monarca socialista. Precisava decretar novas prioridades. Quem sabe trocar a grama dos campos de futebol desta vez. Talvez investir em mesas de pingue-pongue, tradicional esporte nacional. Ou mudar de local os balanços e escorregadores das praças. E se pintasse cada tampa de bueiro com coloridas gravuras? Bueiros temáticos! Ninguém, em sã consciência, pensaria em tal projeto de revitalização do esgoto a céu aberto. Com bastante cor e brilho quase poderia esconder o cheiro putrefato de um reinado com mais purpurina que feitos práticos. Se nada disso conquistasse os manipuláveis integrantes de sua Orquestra Partidária, lançaria demandas ainda mais engenhosas, como plantar flores nos buracos do asfalto. Com as chuvas torrenciais dos últimos dias, novos e estratosféricos buracos estavam surgindo e Poliana já cogitava criar peixes nos verdadeiros açudes que se formavam no reino. Poderia inaugurar um pesque-pague em cada vila local. Que maravilhosa prioridade essa! Digna de prêmio pelo inédito e verdadeiro democrático processo de inclusão social. Seu pitoresco reino poderia sediar algum campeonato anual de pesca urbana. Seus adoráveis súditos poderiam se divertir sem ao menos sair de casa. E quando a temporada de chuvas chegasse ao fim, transferiria o tradicional e elitista rally para as esburacadas ruas centrais do reino. Uma legítima aproximação entre as odiosas e capitalistas elites, bem providas de carros, e os dóceis e patéticos contribuintes, desprovidos de asfalto e trafegabilidade. Tudo como manda a cartilha de seu clã. Essa era a lógica de sua gloriosa e bem divulgada Orquestra Partidária (OP): fazer com que seu povo almejasse o que não necessitava, agradecesse e louvasse as escassas migalhas que recebia, e idolatrasse, eternamente, aqueles que pouco ou nada lhe serviam. Graças aos céus pelas alienantes novelas que ainda hipnotizavam os intelectuais desse reino, pensa a encantadora e ardilosa Poliana, mudando de canal.

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