sexta-feira, 19 de julho de 2013

O congestionamento de projetos do dinâmico reinado de Poliana

Poliana estava exausta de tantas poses para fotos. Nem em Horário Eleitoral tivera de posar tanto de soberana dinâmica e resolutiva. Já estava quase arrependida de ter criado um ministério em seu reinado só para marketing, mídia e ilusão de ótica. Na ausência de grandes feitos e na abundância de coisa alguma para divulgar, sobrava para a pobre e carismática rainha. E era foto que não acabava mais. Até Imprensa Livre já estava enjoada da adorável face real estampada diariamente em cada periódico local. Era Poliana de capacete assentando tijolos. Poliana de picareta quebrando pedras, enquanto alguns de seus bobos, sorrateiramente, guardavam algumas nos bolsos só para não perder a velha prática. Poliana assando lingüiçinhas nas moderníssimas e necessárias churrasqueiras, democraticamente conquistadas, pelo povo excluído de saneamento básico e saúde, nos espetáculos pirotécnicos da Orquestra Partidária (OP). Poliana escorregando de barriga nas novas travessias de pedestres. Poliana atolada no barro, enterrando canos para a transposição de recursos públicos, e fazendo reza braba e despacho para que a próxima estiagem demore mais a chegar que a espalhafatosa e duvidosa obra para terminar. 
- Chega! Eu não agüento mais. – reclama a soberana exaurida e descabelada, atirando-se pesadamente no divã de sua redoma. – Vocês, seus inúteis, precisam dar um jeito de inventar alguma obra diferente para nós divulgarmos na mídia. Tem cancha de bocha que eu já visitei 20 vezes nesses últimos anos. Já conheço todas as ripas de cada forro dos salões comunitários do reino. Naquela escola eu já fui tantas vezes que tem pedreiro que acredita que eu sou mestre de obras. Ontem me mandaram até fazer massa! Olha lá se eu sou rainha de meter a mão na massa! Se ainda fossem em maços, nisso sim, sou especialista. Mas isso não dá para por nos outdoors, né? Justiça é capaz de ficar mordida e é muito estressadinha e moralista, aquela baranga invejosa.
- Mas alteza, nós temos vários grandiosos projetos prontinhos para serem executados! Meu gabinete é uma verdadeira usina de projetos! – vangloria-se Golesminha, o companheiro tampão da rainha, responsável pelo planejamento no reino.
- Mesmo? Diga-me um, Golesma? – pergunta incisivamente Poliana, cravando ameaçadoramente os olhinhos de biscuit no companheiro adulador.
- Bem... são tantos... eu não conseguiria explanar sobre todos em tão pouco tempo, adorada Poliana. – atrapalha-se Golesminha, balançando a franginha, mais amorfo que vaselina.
- Eu tenho tempo. Você pode me explicar enquanto massageia meus pés cansados! – aconselha, prontamente, a rainha.
- Está certo rainha. É sempre um prazer massagear seus adoráveis pezinhos! – adula o outro, tentando ganhar tempo. – Acredito alteza, que devemos democratizar e descentralizar as falas, por isso, passo a palavra para nosso novo bobo do trânsito. Ele pode começar esclarecendo, com detalhes, todas as maravilhosas modificações que pretendemos implantar no reino. – desvia-se, com a longa prática adquirida na câmara de vendilhões, o companheiro Golesminha, jogando o jovem bobão na fogueira.
- É claro! É sempre uma honra para mim discutir com uma corte tão aberta. – empolga-se o prestativo bobo, sem perceber que estava sendo fritado em óleo, ainda, morno. – Trata-se do “Programa democrático e inclusivo de mobilidade urbana participativa, trafegabilidade cidadã e humanização no trânsito em vias públicas”. - anuncia entusiasmado, o bobo do trânsito.
- Fantástico! – exulta a rainha – Só o título já vai ocupar uns três outdoors e duas páginas de jornal! E, como não diz nada, não nos compromete, não é mesmo? E o que consta no “corpo” do projeto? Se for tão pomposo quanto o título, provavelmente nossos súditos vão passar a ser teletransportados nos próximos meses! – questiona Poliana, com sutil tom de ironia.
- O projeto ainda não está concluído, rainha. – responde o bobo, desanimando um pouco - Foram 13 reuniões só para decidirmos o título. As últimas 5 só discutindo a ordem certa das palavras. Você deve saber, melhor do que eu, alteza, o quanto seus companheiros são minuciosos nessas questões semânticas e adoram uma reuniãozinha. – cochicha à rainha.
- Entendo. Então vamos voltar ao que temos. O título. O que exatamente significa um trânsito humanizado, Golesminha? – pergunta Poliana, trazendo o companheiro para a frigideira.
- É um projeto de trânsito democraticamente centrado no ser humano, alteza.
- Ah, bom! Ainda bem que vocês pensam em tudo. Se o tal projeto é voltado para o ser humano, não corremos o risco de vê-lo roubado e implantado em Marte, não é mesmo? Fico mais tranqüila assim. Tenho perdido noites de sono, preocupada com os claros indícios de conspiração alienígena no reino. - ironiza a rainha – Apesar, que um intercâmbio com os marcianos poderia nos ser útil. Eles poderiam nos ensinar como abduzir os carros e passageiros em horário de pique. Ou, quem sabe, eu deveria começar a pensar em abduzir todos vocês das costas dos contribuintes! – exaspera-se Poliana. – Será que vocês não vão conseguir me apresentar uma maldita medida de impacto para que eu deixe de ser a chacota do reino, seus energúmenos!
- Claro que temos magnânima! - responde o bobo do trânsito, sentindo falta do calor do fogo. – Nós vamos implantar semáforos inteligentes nas vias principais do reino!
- Semáforos inteligentes, é? – pergunta sua alteza, com ar pensativo. – E serão muitos?
- Serão doze, rainha.
- Isso parece que será realmente muito útil para mim e para o reino. – continua Poliana, com seu conhecido ar maquiavélico. – Se os tais semáforos forem realmente inteligentes, posso trocar vocês todos por eles, seus inúteis! Já era mais do que hora de ter alguma coisa inteligente na corte. Eu já estou cansada de me ver cercada de postes! – grita Poliana, erguendo-se indignada – Tragam logo meu chinelo de dedos e um boné! – ordena a monarca – Eu vou sair!
- De chinelos e boné?! – pergunta um dos pajens, escandalizado, acostumado com a elegância nata da socialite socialista.
- Isso mesmo! Vou me inscrever em um curso de mestre de obras. Se eu quiser que alguma coisa saia do chão no meu reinado, vou ter de aprender a fazer eu mesma. Se depender de vocês, seus incompetentes, passarei mais quatro anos jogando bocha! Já tem especialista em bocha nessa corte, e eu detesto concorrência! – anuncia Poliana, em mais um de seus arroubos, quase sempre passageiros, de lucidez, saindo rapidamente de sua redoma.

Poucos minutos mais tarde, uma desacordada rainha era carregada de volta ao divã. Desacostumada com os chinelos, o anonimato, a ausência de pajens e bajuladores, e ao caos do trânsito no seu reino, escorregara em uma gigantesca travessia de pedestres em frente ao castelo, e tivera uma contusão cerebral. Sorte de seus bobos. Poliana esquecera toda a recente discussão. Acordara acreditando que tudo era colorido e maravilhoso como mostravam seus adoráveis anúncios e outdoors.

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