sábado, 13 de julho de 2013

Poliana, a rainha da mobilidade e soberana do descaramento

A vasta comitiva de bobos e pajens reais ensaiava-se, receosa, em frente à redoma de vidro fumê da rainha. O momento prometia mais uma das conhecidas crises de destempero de Poliana, e era preciso cautela e muito jogo de cintura da corte real para evitar mais um escândalo no reino. O dia fatídico chegara, não havia mais como adiar. As rótulas em frente ao castelo seriam finalmente reabertas, atendendo ao clamor do povo, a lógica, e aos estudos de trafegabilidade urbana realizados. Apenas Poliana, a democrática rainha, era radicalmente contrária a medida. E todos os bobos da corte sabiam o quanto sua majestade podia ser intransigente e birrenta quando seus interesses eram contrariados. Por isso, o sudorético grupo temia adentrar no recinto, onde ela, soberana, descansava como sempre, alheia a realidade fora de sua redoma.
- Podem parar de tremer meus bobos! – anuncia a rainha, surpreendendo sua corte ao sair precipitadamente da redoma – Eu de boba, não tenho nem o salário. Já sei o que vocês vieram fazer aqui, seus molóides. As insubordinadas redes sociais só falam nisso nos últimos dias. Vocês vão remover minhas adoráveis barricadas das rótulas em frente ao castelo! – ergue a voz a monarca, com o dedo acusadoramente apontado para o quase disforme bobo do trânsito.
- Não é bem assim, adorada Poliana! – gagueja o novo bobo, mais vermelho que um tomate da agricultura familiar. – Essa será apenas uma diminuta medida perto de todas as melhorias que o seu reinado está realizando no reino.
- Pois, muito bem! Eu decidi ver pessoalmente essas tais melhorias. Vamos pra rua! – sentencia a sempre decidida rainha, virando-se para o corredor. – Como é que se sai mesmo desse castelo? – questiona a perdida Poliana, pouco acostumada à vida fora de sua ilusória e perfumada redoma.
- Por aqui, alteza. - conduz um dos pajens, enquanto os outros se questionavam quem teria sido o energúmeno que permitira o acesso da rainha ao facebook.
Poucos minutos depois, caminhando pela avenida principal do reino, cercada e quase sufocada por seu séquito de bajuladores bem remunerados pelo dinheiro público, Poliana é apresentada as novas modificações no trânsito do reino.
- Essas são nossas novas faixas de segurança elevadas para pedestres, rainha. – explica prestativo, o bobo da trafegabilidade. – O objetivo é dar maior visibilidade e preferência aos transeuntes.
- Nooosa! – surpreende-se Poliana - Mais visível que isso, só o Monte Everest! – exclama a rainha, olhando para cima. – Se algum pedestre cair aí de cima vai acabar fraturando o crânio, isso sim!
- Não tínhamos pensado nisso, alteza. Como é importante sua visão de soberana! Vamos providenciar um mecanismo de amortecimento de quedas, tipo airbags, para esses casos. Brilhante contribuição, magnânima! – adula o bobo.
- É por isso que fui eleita e reeleita, seu bobão. Eu vejo o que quase ninguém quer ver. É só eu sair da minha redoma. – vangloria-se a monarca – E com lombadas, ou faixas de segurança elevadas, dessa altura, dá até para praticar rapel! – anima-se Poliana, a eterna desportista.
- A idéia é justamente essa rainha! – assume a liderança o bobo do esporte, empurrando para o lado o expert em tráfego e trânsito. – Se as nossas novas medidas não fizerem o trânsito fluir, podemos, ao menos, fazer os cofres públicos e a publicidade render. Já nos inscrevemos para o campeonato anual de Enduro e de MotoCross em vias urbanas. E fomos aprovados com louvor! Nenhum reino propiciará tantos saltos e tantos buracos por metro quadrado! Nós somos os únicos! Inovadores como sempre, magnânima.
- Que maravilha, meus bobos! – exulta deslumbrada, Poliana. – E o rally do ano que vem poderá ser em frente ao castelo! Eu nem vou precisar sair de minha redoma! Mais um verdadeiro projeto de inclusão desportiva de nosso democrático reinado. E ainda tem gente que ousa criticar Poliana! Elite golpista e de direita, com certeza!
- Essa gentinha que abarrota nossas maravilhosas e esburacadas vias públicas com seus carrinhos financiados pelo sistema capitalista, Poliana, não merece qualquer consideração. – acrescenta um dos ortodoxos companheiros da rainha.
- Olha só isso aqui! Que maravilha vai ser no verão! Um buraquinho desses do asfalto, no pé dessa lombadona, com toda essa chuvarada dos últimos dias, até o final do ano vai virar um piscinão. O criaredo vai se esbaldar escorregando como tobogãs, das imensas e politicamente corretas travessias de pedestres, direto nos buracões do asfalto cheios de água! Vai ser a inclusão do povão excluído de diversão em pleno centro da cidade!
- Fantástico, alteza! Mais um projeto para divulgarmos na mídia. – entusiasma-se o bobo da comunicação e marketing real.
- E em frente ao castelo rainha, vamos tirar todo esse espaço para estacionamento de carros. Vamos criar um amplo espaço sem serventia alguma. Tudo para desestimular ainda mais a elite golpista a sair de casa de automóvel. Quanto menos vagas de estacionamento existir, menos essa gentinha metida à besta e a fazer manifestações, vai sair às ruas. – esclarece o bobo mor da fluidez do tráfego.
- Ótima idéia! Quanto mais os carros circularem, mais o trânsito flui. Essa sempre foi nossa lógica. Não podemos mudar o rumo de nosso coerente pensamento. – elogia a monarca, convicta.
- Eu ainda me preocupo com o os automóveis, rainha. – começa um dos bobos presentes. – Todas essas medidas são muito vistosas, mas acho que ainda precisamos de ações mais eficientes para melhorar a mobilidade dos automóveis e evitar congestionamentos no reino. O povo tem demonstrado claro descontentamento com isso.
- Esse tipo de medida prática de melhoria na mobilidade urbana é assunto para estudo. – responde, emblemático, o bobo da mobilidade urbana.
- Mas nós já estamos estudando isso há quatro anos! – questiona o outro, mais objetivo e simplório. – Já tem gente dizendo que dava tempo para fazer uma faculdade na área.
- Oposicionistas, com certeza. – afirma o bobo, MBA em trafegabilidade cidadã. – Por enquanto, é urgente elevarmos bastante as travessias de pedestres, pintarmos as desbotadas faixas de segurança, e reabrirmos as rótulas obstruídas... (ops!)- interrompe-se a espera de uma severa crítica da rainha.
- É isso mesmo! – concorda Poliana, apalermando o grupo. – Vocês achavam que eu ia me opor a reabertura das rótulas que eu mesma fiz questão de fechar, seus bocós? – pergunta a monarca, gargalhando a riso solto. – Vocês são mesmo amadores! Precisam aprender com Poliana, a rainha da ilusão e do ilusionismo! Eu sou uma visionária, vocês e o povo são uns estúpidos, isso sim. Meu objetivo sempre foi claro e coerente. Trancando as rótulas na avenida central, tornei o trânsito caótico e insuportável no reino. Criei, no início do meu reinado, um problema que até então não existia. Levei, por anos, os motoristas ao limite do desespero. Agora, passado tanto tempo, eu, a magnífica e eficiente soberana, Poliana, vou oferecer, com muita mídia e marketing, a solução para o caos instalado. Vou abrir um novo acesso que possibilitará melhor fluidez ao trânsito. Vou “criar” rótulas no anel central do reino! Que brilhante idéia de Poliana, pensarão meus adoráveis súditos e eleitores! - gargalha um pouco mais a rainha, quase se afogando com as lágrimas. – A lógica é simples, está na cartilha de nosso clã, página 171: “crie um problema que não existia e depois ofereça ao povo a solução que ele não precisaria se você não tivesse nascido”. É como jogar plebiscito e médicos cubanos para manifestantes revoltados. Simples assim!
- Nossa, rainha! Nós nunca íamos conseguir acompanhar um raciocínio assim tão apurado! – impressiona-se o bobo da mobilidade urbana, mais perdido que os motoristas do reino em horário de pique.
- É por isso, queridinho, que eu sou monarca, e você é só um bobo sem serventia na iniciativa privada. – sorri debochada, a maquiavélica Poliana, dando as costas ao grupo – Podem reabrir as rótulas. Esse projeto já está concluído. Meu próximo grande e muito lucrativo projeto, é o do asfaltamento das vias públicas. Esse sim, irá me render mais do que popularidade. Afinal, semeei por anos buracos no asfalto, agora é a hora de colher polpudos recursos públicos! – anuncia a prática e despudorada monarca, voltando tranquilamente para sua adorada redoma, onde o único tráfego é o de bobos da corte, e o congestionamento constante é o dos eternos aduladores do poder.



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