sábado, 22 de março de 2014

A transposição de mentiras na escassez de vergonha


Uma constrangida Poliana tentava conter o forçado sorriso nos lábios para manter as aparências. Afinal, sua alteza e um vasto séquito de aduladores e terneiros das tetas públicas, voavam como moscas em torno do Herdeiro da Pampa Pobre, que estava em visita oficial ao reino. Depois de horas de discursos e anúncios de que vultuosas somas de recursos choveriam na região em épocas de eleição, Poliana não via a hora de ficar sozinha com seus bobos da corte. E eles iam se ver em maus lençóis, prometia-se a monarca. Terminado o cortejo e acabadas as despedidas, a irada rainha nem esperara o helicóptero do Herdeiro levantar voo para começar a sabatinar seus asseclas.
- O que diabos foi aquilo, sua cambada de imprestáveis?! Vocês pretendiam manchar minha límpida imagem com toda aquela água barrenta jorrando?! Olhem só o meu trajinho marfim todo respingado de barro!
- Ora, alteza. Você está deslumbrante com sempre. Ninguém vai notar essas pequenas manchas na sua roupa. Lembre-se que você já teve máculas maiores no passado e seus fiéis súditos nem perceberam.
- E o fiasco que acabei de presenciar?! Vocês acham que Imprensa Livre vai deixar passar isso em branco? Posso até imaginar aquelas odiosas redes sociais me ridicularizando. Anunciamos com todo glamour uma obra de milhões na transposição de um rio que acabaria definitivamente com os racionamentos no reino, e o que apresentamos para o povo? Uma gambiarra tosca digna de comédia pastelão da pior qualidade.
- Não se preocupe com esses detalhes, rainha. Primeiramente o povo não estava presente no local. Só tinha nossa companheirada por lá. E depois, o povo não tem a menor ideia do que seja uma transposição de rio.
- Mas o povão conhece como poucos uma gambiarra! E aquilo lá é a mãe das gambiarras, isso sim. Nós devíamos patentear o fiasco.
- Também não é bem assim, né Poliana. A gente se esforçou. O Herdeiro da Pampa Pobre não pareceu nem um pouco constrangido.
- Esse aí não se constrange nem com professoras dando de régua nos dedos dele. Tirou até o bigode para não ter de honrar nem mesmo um fio. Não ia ser mais uma de nossas patifarias que o faria ruborizar, não é mesmo? - ironiza a monarca.
- Eu não sei o que sua alteza viu de tão constrangedor na inauguração da transposição.
- O que eu vi? Eu não vi, foi isso! O objetivo da obra era puxar água de um rio para o lago da barragem em períodos de estiagem, não é? Pois bem, o que nós mostramos hoje, muitos milhões de investimentos públicos depois? Uma bomba quase artesanal puxando água de um banhado, uma torneirona rudimentar aberta por um monte de patetas deslumbrados, e um cano de onde jorrava água barrenta! É isso. Foi o que eu e todo mundo lá viu! Temos quilômetros de canos enterrados por onde não passa água alguma, e nenhuma estrutura ainda pronta para puxar a tal água do rio. E dissemos aos contribuintes que solucionamos definitivamente o problema e não temos mais risco de desabastecimento! Algum de vocês tem outro bom argumento contrário, companheirada?
- Eu discordo, Poliana. Na verdade aquilo de onde bombeamos a água hoje na festa, não era um banhado. Era um buraco que nós, seus bobos da corte, passamos a semana inteirinha cavando só para fazer bonito na campanha do Herdeiro da Pampa Pobre. E a água pode não ter sido transposta do rio por meio desse sofisticado sistema que nós prometemos, mas ela veio mesmo do tal rio. Nós passamos a madrugada todinha carregando baldes de um lado pra outro para encher o dito buraco. Somos bem esforçadinhos!
- É isso mesmo Poliana. Precisamos maquiar os fatos. - pondera o bobo do marketing e ilusão de ótica – Vamos divulgar que não inauguramos a obra. Ela apenas está “operacional”.
- E o que quer dizer “operacional”, meu adorado bobo da mídia estapafúrdia financiada pelo contribuinte?
- Não quer dizer coisa nenhuma, na prática. Mas na ilusão de marketing, e no jogo de palavras, significa que temos uma obra milionária, que embora ainda não sirva para nada, com mais alguns milhões de recursos públicos, centenas de discursos e propagandas, e meses, ou anos, de enrolação, pode ser que algum dia venha a funcionar. O fato concreto e que temos que divulgar é que jorra água daqueles canos. Mesmo que seja água barrenta bombeada de um lamaçal dos infernos. Mais que isso o povão não tem de saber. Temos de mostrar ao povo somente o que ele quer ver.
- Quer dizer que trocaremos a palavra inauguração por operacionalização. E mentiremos para o povão que se a estiagem chegar hoje no reino nós conseguiremos produzir água em abundância. É isso?
- Isso mesmo, rainha. - confirma o marqueteiro oficial.
- E se por desgraça, ou praga de Oposição, a estiagem resolver contrariar as estatísticas e atingir o reino antes da hora? - questiona Poliana, ressabiada.
- Neste caso, rainha, acho que teremos de convocar todos os bobos e pajens de sua alteza, e passaremos muitas noites puxando água de balde só para manter as aparências. - responde o outro.
- Pelo menos temos uma corte tão vasta, que alinhada, supera em muito os quilômetros de canos até o rio. - reflete a monarca - Brilhantes ideias, meu jovem e cada vez mais descarado, bobo do marketing. De mentes assim é que meu reinado precisa. - elogia a rainha entusiasmada – Eu só gostaria de fazer um pedido, meu caro. Nas edições de imagem que você tão bem executa, dê um jeitinho de fazer com que a água que jorra seja um pouco mais cristalina, sim? Afinal, ao menos alguma coisa de limpo devemos oferecer aos contribuintes em toda essa imundície. Nem que seja nas fotografias. - conclui Poliana, plenamente satisfeita com mais um embuste aplicado por sua corte nos sempre crédulos e esperançosos súditos reais.    

Um comentário:

  1. INAUGURANDO OBRA QUE NÃO TA PRONTA É MESMO COISA DE SEM VERGONHA , E A MIDIA NESSA CIDADE DEVE ESTAR NA MÃO DELES PORQUE SENÃO TERIA MUITA COISA PARA SE FALAR

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