domingo, 15 de junho de 2014

Gigante Adormecido - da realidade, padrão descaso, à fantasia padrão Fifa


O Gigante Adormecido hoje não era mais o mesmo. Por trinta dias seria o reino encantado com que sempre sonhara seu crédulo povo. Sem as pequenas, e nessa época insignificantes, mazelas diárias da população. Nada de transporte público sucateado ou insuficiente. Nenhuma emergência hospitalar superlotada, com falta de profissionais, medicamentos ou estrutura básica. Nenhum assalto ou violência. Sem rodovias ou estradas inseguras e abandonadas pelo poder público. Pobreza, ah a pobreza, essa há anos deixara de existir. Por decreto da Rainha Mãe, todo aquele que se declarasse pobre era automaticamente promovido à classe média. Pois esta semana, como em um passe de mágica, o povo adormeceu na inércia e incompetência padrão descaso, e acordou na alegre e carnavalesca terra, padrão Fifa. Era pura euforia, padrão carnaval.
Pena que seu povo não siga o padrão oficial de educação internacional - pensa a Rainha Mãe, emburrada, depois de vaias e palavras grosseiras dirigidas a sua alteza na abertura dos jogos mundiais. Coisa de uma elite branca, desocupada, e que nasceu em berço esplêndido - consola seu antecessor no trono e eterno messias, o Ilusionista. Que sorte da Rainha Mãe poder contar com o apoio e suporte do popular e carismático Ilusionista. Nunca antes na história de Gigante Adormecido houve um rei tão destemido, corajoso e adorado por seu povo. Coragem e hombridade só lhe faltou na hora de assumir, em frente a milhares de torcedores, a paternidade da criticada copa de futebol em um país assolado por ineficiência e insuficiência de serviços básicos. Preferiu, nosso ídolo, ficar em casa, o destemido, cercado por seus eternos puxa sacos, que não criticam sequer sua graciosa e hilária tendência em proferir absurdos em público. E com as janelas fechadas, longe de qualquer vaia que pudesse macular sua performance messiânica perante a imprensa internacional.
Desgrudar-se descaradamente do que compromete sua imagem irretocável, era uma das especialidades do Ilusionista. Era capaz até de negar sua íntima e fraterna relação com alguns de seus companheiros mais chegados e fieis, os mensaleiros. Capaz de alegar nada saber, mesmo o que ocorria bem debaixo de suas barbas de rei. Tivera até de raspar a barba, que se tornara rala para encobrir tanta mesada, propina e descaramento. Mas, ao Ilusionista, nada constrangia. Até sua covardia era bem justificada. Por mera opção e comodidade escolhera assistir os jogos no conforto de seu lar, longe do estádio do time de seu coração e da copa que tanto lutou para trazer a seu reino. Em nenhum momento pensara em abandonar sua pupila e escolhida, a Rainha Mãe, sozinha para suportar as vaias e críticas de um povo justificadamente revoltado e descontente. Como homem, há de se convir, comportava-se quase sempre, como um verdadeiro molusco. Um carismático molusco, é verdade. Hábil na arte da manipulação. Em ambiente fértil aos moluscos estrelados, cercado de asseclas e companheiros, classificava, em eloquentes brados, os protestos populares, como obra de uma elite que estudou demais e que se sente incomodada ao ver os pobres comendo melhor e frequentando aeroportos. Discursinho delirante, simplório e asqueroso, padrão Hugo Chaves, capaz de levar a estrelada plateia, padrão bolchevique, ao delírio. Tudo certo, no país do carnaval, padrão fantasia, dos altos impostos, padrão Suíça, mas de miseráveis retornos sociais, padrão Bangladesh.
Para um povão manipulável, padrão boi de canga, não precisamos oferecer muito, aconselha o Ilusionista à Rainha Mãe, hoje descabelada, ofendida e ultrajada. Basta apenas o futebol e a fantasia, padrão pão e circo, continua o profeta. Um país, padrão porcaria, sempre há de louvar um governo padrão falsidade e hipocrisia. Àqueles que ainda sonham com um país, padrão dignidade, resta apenas espernear, padrão desespero, ou acabar em calabouços e paredões, ideal padrão socialista.
Felizmente há o futebol, espetáculo de paixão popular, para nos desviar por um tempo do padrão bom senso e senso crítico, e nos jogar na fantasiosa realidade verde e amarela, padrão Gigante Adormecido, conclui o eterno mestre do descaramento, o Ilusionista, padrão desfaçatez. 

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