domingo, 12 de outubro de 2014

Uma fábula chamada Brasil


Há muitos e muitos anos, em um país ainda não encantado, chamado Brasil, era época de eleições presidenciais. As primeiras eleições diretas depois de um longo jejum. Dois candidatos disputavam o segundo turno. Dois nordestinos, tão iguais na região geográfica de nascimento, quanto diferentes em suas histórias e discursos. De um lado, um jovem candidato, bem estudado, desportista e oriundo de tradicionais famílias nordestinas. De outro, um nordestino retirante, de família pobre, metalúrgico e surgido do movimento sindical.
O jovem atacava o sindicalista, acusando-o de ser comunista. De ser aliado de baderneiros que invadiam terras e faziam greves para promover a desordem no país com fins puramente políticos. O sindicalista atacava o outro, acusando-o de ser representante da burguesia, do coronelismo político do nordeste onde imperava o voto de cabresto. De representar uma política oligárquica que se beneficiava da falta de instrução de um povo sofrido e desassistido, que trocava seu voto por cestas básicas assistencialistas e eleitoreiras.
Na reta final da campanha, o jovem atleta chuta bem a baixo da linha da cintura. Divulga no horário eleitoral o depoimento da ex-mulher do proletário, acusando-o de lhe oferecer dinheiro para realizar o aborto da filha dos dois, quinze anos antes. A dedicada e apaixonada militância do sindicalista, sangra de ira e dor, pela baixeza do golpe sofrido. Os simpatizantes do jovem desportista, comemoram o chute certeiro.
No último debate televisivo antes do pleito, o país paralisa para assistir o embate entre os dois presidenciáveis. Eram outros os tempos, e escolher pela primeira vez, em anos, o presidente, parecia mais importante que qualquer reality show. Aliás, não haviam reality shows nessa época. Nem internet, facebook, WhatsApp ou youtube. No calor do debate, ao vivo, o candidato sindicalista faz uma colocação, com razoável fundo de ciência e lógica: “que ao persistir a situação contínua de miséria e de fome no Nordeste, os nordestinos acabariam por se transformar, no futuro, em uma sub-raça”. Prato cheio para o jovem representante da oligarquia do agreste. Em poucos, e impiedosos minutos, ele se mostrou revoltado e ofendido por todo o pobre povo nordestino que estava sendo cruelmente desprezado e humilhado pelo sindicalista, também nordestino, mas agora, declaradamente preconceituoso com seu próprio povo.
Sangrava ainda mais a militância esquerdista. De dor e revolta pela manipulação injusta de palavras e contextos. Pela falta de honestidade e decência, e pela deslealdade do embate. Chorava, e choraria por muitos anos, pela eleição, dias depois perdida.
O resto desse enredo, todo mundo conhece. O jovem e destemido presidente eleito, foi cassado pouco tempo depois, por conta de um automóvel Fiat Elba e mais algumas coisinhas ilícitas. O metalúrgico, anos mais tarde, foi eleito por duas vezes presidente. O mais popular presidente até hoje eleito nesse país. Acreditam alguns, que talvez ele carregue nas costas milhares de Fiats Elba. Mas de nada ele soube, e nada até hoje se comprovou que soubesse. Portanto é inocente e só carrega nas costas sua enorme popularidade e carisma.
Moral da história? Onde andaram, nos últimos anos, esses dois distintos políticos? Abraçados, nos mesmos palanques, com os mesmos discursos e a mesma ideologia. Sinal de que o tempo tudo apaga e a todos aproxima. Até mesmo as falsidades e traições. E a engajada e sofrida militância de outrora? Aprendeu a bajular seus antigos rivais, e a usar suas velhas táticas, sem remorsos ou pudores. Agora sabe caluniar, difamar, ofender e distorcer a verdade, para ganhar eleição. A dor, não ensina a gemer, ensina a rastejar na sarjeta, e transforma todos em vermes, ao menos é o que parece. Aqueles que sangraram e choraram de mágoa e ressentimento pela deslealdade sofrida, hoje comemoram o mesmo voto despolitizado daqueles de pouco estudo,que os fizera chorar há 25 anos. Os mesmos que incitaram, com a coerência da época, o povo a ir às ruas pedir o impeachment de um presidente corrupto, hoje se mostram ofendidos e perseguidos pela investigação de um esquema bilionário de corrupção dentro de uma única Estatal, mas que envolve seu adorado partido de ideologia e moral corrompidas, mas de alianças e parcerias sólidas, sórdidas, mas consistentes e bilionariamente lucrativas.
Como se canta nesse país tão musical e lúdico, que às vezes parece, mas não é, uma fábula: “Tudo está em seu lugar. Graças a Deus!Graças a Deus!“




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