domingo, 29 de março de 2015

Popularidade rumo ao pré-sal


O clima entre o seleto grupo de companheiros que aguardavam a Rainha Mãe na sala de estar do Palácio Real, era de comiseração. E medo. Medo dos números que traziam em planilhas, e da reação de sua alteza quando se visse em frente a eles. Sentados em torno da mesa, circulavam dígitos e faziam cruzamentos de dados. Tentavam de todas as formas ajustar a curva. Não havia jeito. Não havia mais curva, era um precipício estatístico.
Alheia a fisionomia abatida de seus assessores, a monarca adentra à sala, com seu andar militaresco, mas com a fisionomia alegre, e anuncia satisfeita:
- Eu perdi mais um! Mais um! Não é uma maravilha? - comemora radiante, enquanto seus vassalos trocavam olhares sem entender.
- Mais um ministro, rainha?
- Não! Claro que não! Desses eu já perdi três, e só ganhei dor de cabeça.- recorda-se a rainha já fechando a cara.
- Então... perdeu mais um embate com o congresso?
- Não, seu estúpido! Esses eu perco uns três por semana. Isso que eles só trabalham de segunda a quinta. Malditos aliados. - queixa-se sua alteza, revoltada. E esclarece rápido, para evitar mais especulações constrangedoras dos presentes: - Eu perdi mais um quilo! Não é fantástico? Essa dieta está me fazendo sentir outra pessoa. E é tão simples! É como economia. É só gastar mais e reduzir o que entra. Devia se chamar dieta Mantega. - conclui a Rainha Mãe, mostrando como seu profundo domínio da área econômica vinha afundando Gigante Adormecido. - Mas o que é essa papelada aí? Nossa quantos números. - observa a rainha, detendo-se em um valor circulado em vermelho. - Caiu! Que beleza! 2,7! A maior queda do dólar nos últimos 20 anos!
- Na verdade, magnânima, 2,7 não é a última cotação do dólar. - começa a esclarecer um companheiro, tentando ganhar tempo.
- É o PIB! Nossa, que Pibão! Precisamos comemorar. - entusiasma-se ainda mais, a sempre fora de órbita, Rainha Mãe.
- Também não é o PIB. Este, pelas previsões, não poderá ser visto a olho nu. - completa o outro assessor.
- Então o que diabos é esse número? Cês parem de me enrolar! - ordena a monarca.
- Esse é um dos dados de uma pesquisa encomendada sobre sua popularidade em seu novo reinado. 2,7 de bom e ótimo. - desembucha logo o companheiro.
- Isso já era esperado. - rebate prontamente a Rainha Mãe - Todos nós sabemos que essa elite endinheirada, que faz panelaço nas varandas gourmet , batendo panelas Le Creuset, não me tem em muito alta conta. Não se conformam com minha popularidade entre os pobres.
- Creio, rainha, que quem ganha até dois salários não deve ter dinheiro para comprar Le Creuset.
Claro que não. São uma fortuna essas panelas. Eu comprei uma dezena aqui para o meu palácio, no meu último enxovalzinho básico. Mas quem pagou foram os contribuintes. Eu jamais pagaria, com o meu dinheiro, um preço absurdo desses por uma panela. - explica a rainha de forno e fogão.
- Esse número da pesquisa, alteza, 2,7, é de quem ganha até dois salários.
- Até dois salários? Mínimos ou de deputados? - questiona, tentando como   sempre, se agarrar em sonhos e fantasias.
- O Mínimo. Dos mortais. Só maior que o dos aposentados.
- É que nós valorizamos muito, no meu reinado, o mínimo. Então, ganhar dois mínimos, chega quase a ser um máximo, não é mesmo? É preciso que cês entendam isso, meus queridos. E com todo nosso investimento em educação, essas pessoas passaram a frequentar universidades. E a melhora do grau de instrução sempre cria um povo mais crítico, exigente e mais...
- Até a quinta série: 3,6. - continua o outro, quase impiedoso.
- Até a quinta, é? - falseia um pouco – A qualidade de nosso ensino melhorou muito, principalmente no ensino fundamental. A quinta série já é quase uma pós-graduação. - fala, direto de Marte, a Rainha Mãe de Gigante Adormecido. - Vocês não têm nenhum dado bom nessa porcaria de pesquisa?! - grita, perdendo a paciência.
- Esses, rainha, são os dados bons. Eles ficam ainda piores nas demais camadas sociais e níveis de escolaridade. Pela margem de erro, em alguns deles, sua popularidade pode ser negativa. - conclui o companheiro, enquanto a desiludida rainha folheava outro calhamaço de papéis.
- Também pudera!Só pode que meu povo tenha uma imagem negativa de mim! Olhem só essas reportagens absurdas desmoralizando minha política econômica, criticando minha cegueira seletiva na petrorroubalheira e me acusando de ter mentido para o povo na última campanha. Essa mídia golpista é comprada por Oposição!
- Na verdade, magnânima, esses aí são jornais estrangeiros. - informa o outro, constrangido.
- Mesmo? Que coisa. - constata, com expressão reflexiva. - A partir de que série o inglês é ensinado nas escolas?
- Depois da quinta. - assegura o assessor, para evitar outra torrente de desculpas esfarrapadas.
- A boa notícia, alteza, é que seu novo reinado está só começando. Não completou nem noventa dias! Temos 45 meses para mudar o cenário. - consola outro assessor, tentando ser otimista.
- 45! Detesto esse número. - rosna, contrariada. - Falta tudo isso para eu me livrar desse pepino? - questiona, abatida, com cara de final de prorrogação.
- Nós já temos estratégias, magnânima. Propaganda ilusória! Marketing, blogs sujos, milícia virtual, robôs... E controle da mídia, claro. A nacional, ao menos.
- Acrescentem controle das pesquisas de opinião também. Já que não podemos acabar de vez com a liberdade de opinião. - ordena a Rainha Mãe, erguendo-se, pronta para retirar-se da sala. - E eu gostei da ideia dos robôs. Podiam colocar um desses no meu lugar, nos próximos e longos 45 meses. Pelo menos quando for para falar em público ou negociar com o parlamento. - fala por sobre o ombro, antes de abandonar o recinto.
- Não seria má ideia. - sussurra um dos assessores – Até o Robocop consegue ter mais jogo de cintura e carisma que nossa adorada rainha. E talvez conseguisse impor um pouco de respeito com nossos aliados.
- Que fase! - suspira o outro – Já começo a acreditar que perder a votação foi uma estratégia de Oposição para nos aniquilar de vez. E se continuarmos nesse ritmo, atingiremos o pré-sal antes mesmo do Natal. - conclui o outro, enquanto deixavam a sala real. Levanta a mão para o interruptor a fim de apagar a luz da sala que ficaria vazia. Muda de ideia antes de concluir a ação. O último a sair apagaria as luzes. Uma coisa era certa, se o cenário desastroso não conseguisse ser revertido, a Rainha Mãe seria deixada sozinha para apagar as luzes e enfrentar a escuridão. Assim ensinou a velha estrela dessa constelação, o Ilusionista, eterno rei da covardia, que continuava escondido e tramando contra sua própria criatura, na penumbra.

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