No
Palácio Real da Rainha Mãe, sede do poder de Gigante Adormecido, os
bobos da corte confabulavam, aos sussurros, preocupados. Se as
coisas, há muito não andavam bem, nos últimos dias não andavam
nada. O reinado de sua alteza sofria de um gigantesco e alarmante
bloqueio. E não era o contínuo, persistente e teimoso bloqueio de
nossa monarca e sua corte, que imobilizava a economia, estagnava o
crescimento e causava insatisfação popular. Não era, sequer, a
conhecida imobilidade, descaso e lerdeza do parlamento em aprovar
medidas necessárias ao povo e ao reino. Dessa vez a situação era
verdadeiramente séria. Alarmante. Aqueles que realmente fazem falta,
resolveram se rebelar. Aqueles que têm serventia. Aqueles dos quais
todo povo sente na pele a ausência, em poucos dias de paralisação.
Os que transportam o crescimento e a riqueza do país nas caçambas.
Tão diferentes daqueles que carregam o suado dinheiro surrupiado do
povo em suas cuecas. E o drama da companheirada, era o maior dos
dramas. Como explicar à Rainha Mãe a dramática situação. Todos
os mais próximos asseclas de sua alteza eram sabedores das
conhecidas dificuldades da rainha em entender, e que dirá, aceitar,
qualquer percalço, contratempo ou crise em seu fantasioso reinado.
Por isso, suavam em bicas, os bobos da corte da rainha, como nunca
algum dia tiveram de suar trabalhando.
- A
situação está um pouquinho preocupante, magnânima. Os
caminhoneiros resolveram parar e a produção está estacionada nas
estradas. Já há indícios de desabastecimento em alguns locais.
- Ora,
meu querido, não tenho tempo para essas picuinhas de movimentos
classistas nesse momento. Tenho um importante loteamento do Minha
Caixa, Eterna Dívida para entregar em algum lugarejo desse enorme
reino. Preciso pensar na minha popularidade, cê sabe! - responde a
monarca, com ar de enfado.
- Mas
é que a crise parece séria, rainha. Há ameaça de falta de
combustíveis no reino.
- Falta
de combustíveis?! Que bobagem! - exaspera-se a Rainha Mãe - Como
é que cês caem numa conversa dessas. Nós temos o pré-sal, capaz
de produzir centenas de barris de petróleo em .... 20 anos! Jamais
faltará combustível nesse reino. Eu garanto! Nem que a vaca
tussa!
- Mas,
rainha, os caminhoneiros estão parados há dias nas estrada.
- Obras
do PAC?
- Não.
Eles querem redução no preço do frete e do diesel. Queixam-se do
aumento dos combustíveis...
- Olha
aqui, queridinho - rosna sua alteza - eu acho que vocês e esses
caminhoneiros tem algum probleminha, pois não houve nenhum aumento
de combustível no meu reinado. Não sei de onde vocês tiram umas
notícias ridículas dessas. Deve ser das propagandas enganosas de
Oposição.
- Na
verdade, alteza, houve um pequenino aumento do valor nas bombas
e...
- Não
teve aumento!- corta rispidamente sua majestade - Houve um
reajuste! E reajuste não é aumento! - irrita-se ainda mais a
rainha, deixando seus assessores temerosos e confusos.
- Claro,
claro, magnânima. - contemporiza um dos bobos, para acalmar o
ânimo real. - Nós sabemos, mas a senhora sabe como o povão é
ignorante e não entende nada de economia. Mas precisamos dar um
jeito de acabar logo com essa manifestação para que não acabe
prejudicando sua popularidade.
- Isso
é fácil. Pelo amor de Deus! Vocês fizeram isso a vida toda. É
só enrolar a turma. Chamem as lideranças para negociar. Ofereçam
meia duzia de propostas inúteis. Sempre há os pelegos nos
sindicatos dispostos a lutar por nós e manipular a categoria.
Vocês sabem melhor do que eu como é que isso funciona.
- É
um pouco mais complicado, rainha. Eles não estão subordinados a
uma liderança. É um movimento autônomo. Independente. Está
difícil cabresteá-los.
- Mas
quem fala por eles?
- Eles
falam por si. E se comunicam com uma rapidez impressionante através
das redes sociais. São mais rápidos que nós.
- Nada
de assembleias, pautas e atas? - pergunta a monarca, espantada.
- Nadinha.
- Nem
bandeiras vermelhas? - escandaliza-se sua alteza.
- Nenhuma
bandeirinha vermelha. É um movimento de elite. Golpistas, é
claro. Um bando de desocupados que passam o dia no facebook ou dirigindo suas Mercedes. Gente
inconformada com todos os avanços sociais de nosso reinado. -
explica o Bobo da Justiça, com a lucidez própria dos muito justos
de raciocínio.
- Mas
deve haver um articulador. Oposição deve estar envolvida,
incitando essa gente! Eles são caminhoneiros, ora bolas. Não têm
uma ideologia, como os nossos seguidores. Estão sendo manipulados
por alguém. Precisamos descobrir quem?
- Não
sei, não, rainha. Parece ser algum descontentamento espontâneo. E
já tem pessoas em todo reino demonstrando apoio a essa gente.
- Descontentes
com o que?! - vocifera a monarca. - As coisas estão uma maravilha!
Nosso reinado vai de vento em popa! Se acham que a gasolina está
cara que se mandem para Venezuela. Lá o combustível é quase de
graça. Mas avisem para esses desocupados, sem vontade de
trabalhar, que levem papel higiênico, pois é artigo raro em nosso
reino-irmão. Quero ver fazerem manifestaçãozinha por lá. -
acrescenta a Rainha Mãe, com um meio sorriso de escárnio. - Eles
têm de ter um líder! Precisamos achar o culpado por essa
anarquia. - reflete - Como conseguem se organizar?
- Eles
se comunicam por telefone. Nesse tal de Whatsapp. Em poucos minutos
conseguem organizar manifestações em todo o território. É uma
catástrofe!
- Por
telefone celular?! Que inferno! Malditos telefones celulares! Nos
nossos tempos de militância ninguém tinha acesso a essas
geringonças capitalistas. Podíamos manipular esses movimentos
facilmente. Agora viramos reféns de nosso próprio povo. Um
absurdo! Tudo culpa dessa tecnologia desgraçada! Quem foi o
estúpido, irresponsável que permitiu que a telefonia celular se
expandisse por todo esse imenso reino?! Só pode ter sido um
neoliberalzinho, burguês e ....
A
Rainha Mãe cala-se rapidamente, estarrecida. Um clarão de
entendimento se abateu sobre ela. O mesmo sentimento correu, como um
choque elétrico, entre todos os companheiros da sala. Todos, ao
mesmo tempo, arregalaram os olhos ao darem-se conta da dura
constatação. Em um uníssono, balbuciaram: - FHC!
- Ele!
Foi ele! Sempre ele! - choraminga a rainha, balançando a cabeça,
desolada.
- A
herança maldita de FHC! - lamuriam-se todos, desanimados. Não
havia saída. Era uma luta perdida. Os fantasmas não morrem
jamais.
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