sábado, 18 de abril de 2015

A estrela encarcerada


 Em reunião de emergência, a alta cúpula do clã estrelado discutia o delicado momento de crise. Não que assistir um companheiro sendo preso pudesse ser visto como crise nos dias atuais, era quase uma programação semanal. Mas esse companheiro era especial. Tinha a chave do cofre que sustentava toda a constelação, e era preciso que se tomassem medidas rápidas para estancar o prejuízo. Entre lástimas, choramingos e gritos de guerra com os punhos erguidos, a companheirada quebrava a cabeça para decidir a melhor estratégia.
- Um homem tão bom. Verdadeiro guerreiro. Exemplo de luta por nosso projeto socialista. Socializava tão bem as propinas! Uma covardia estar sendo perseguido dessa forma por Justiça! Essa conspiração de Justiça contra nosso clã está passando dos limites.
- É verdade companheiro, mas precisamos decidir o futuro do nosso amigo, pois o seu presente está enlameando ainda mais a imagem de nosso clã. Se é que isso é possível.
- Vocês acham que devemos afastá-lo do cargo de tesoureiro?
- É evidente que sim, seus energúmenos! - grita a Rainha Mãe, com sua costumeira falta de tolerância com perguntas idiotas.
- Nós sabemos, rainha, que precisamos passar um certo ar de moralidade, mas tratá-se de um antigo companheiro nosso.
- Que moralidade que nada! Nós com merda até as orelhas quem é que vai se preocupar com moralidade? Precisamos ser práticos! Práticos! O homem tá preso. No chilindró. Vendo o sol nascer quadrado. Cês entendem o que isso significa? - questiona sua alteza, impaciente.
- Que a imagem pública de nosso clã esta cada vez mais desgastada. - responde o outro, desiludido.
- Desgastada?! - irrita-se a Rainha Mãe. - Desgastada tá a minha cara! A imagem do nosso clã estrelado tá em frangalhos, seus estúpidos.
- Também não é assim, rainha! Nós temos nosso exército de militantes sempre prontos a irem às ruas por nosso clã. - indigna-se um general do MSTT (Movimento Só Tramoia e Trago).
- Ora, vão carpi um lote, você e seu exército! Se é que algum de vocês sabe para que serve uma enxada. - tripudia a monarca, cada vez mais azeda. - Não sei no que, um bando de sem serventia como vocês, destruindo mudinhas de eucalipto, possa melhorar a imagem de alguém. Chega de palhaçada! Precisamos tomar decisões firmes antes que esse lodo todo chegue ao meu palácio.
- Então, afastamos ou não o companheiro do cargo?
- Ele já esta afastado, seu cretino! - grita a rainha, perdendo a paciência e atirando uma barra de proteínas de sua famosa dieta real em direção ao outro. - Ele está preso! E presos não corrompem empreiteiros. Só os que estão na mesma cela. Não arrecadam dinheiro sujo, nem distribuem propinas! Portanto, ele não serve mais ao nosso clã. Precisamos trocá-lo.
- Mas, Rainha Mãe, se nós o afastarmos, poderá parecer ao povo que estamos assinando uma confissão de culpa. - argumenta Abutre, o presidente do clã.
- Queridinho, a essas alturas do campeonato o povo não precisa da nossa confissão, já nos declarou culpados. Se é que cê me entende. Vamos afastá-lo e depois você assina uma daquelas cartas do nosso clã recheadas de baboseiras. Não precisa nem fazer um texto novo, é só copiar o mesmo que divulgamos quando os mensaleiros foram presos. Basta repetir a velha ladainha da última década: que somos perseguidos pela imprensa, por Oposição e pela Justiça. E acrescentar que hoje existe uma elite reacionária, intransigente e que odeia a inclusão social promovida por nosso clã, tentando ganhar as ruas, como se as ruas fossem de todos. O povo vai achar ridículo, mas nossa militância alienada vai delirar, como sempre.
- E quem colocaremos no lugar dele? - pergunta o presidente Abutre. 
-É preciso que sejamos criteriosos, afinal nossos dois últimos tesoureiros acabaram em cana. Não podemos cometer erros nas nossas escolhas. - acrescenta outro companheiro
- Que critérios adotaremos?
- Critérios rigorosos!
- Isso mesmo! - concorda o grupo.
- Nada de barba!
- Apoiado!
- Mochila, nem pensar!
- Nem cuecas!
- Maletas executivas me parecem adequadas para o transporte das propinas.
- Perfeito!
- Não pode estar na cadeia. Ainda.
- Evidente.
- Mas deve estar preparado para ir para lá. Em alguns anos.
- Tem que ter panturrilhas grossas. - opina a rainha, saboreando sua barra de proteínas, causando espanto nos presentes pela sugestão.
- Panturrilhas, alteza? - questiona um companheiro, curioso.
- Claro, companheiros. Vocês já viram como são as privadas no cadeião? É preciso panturrilhas preparadas para se defecar com alguma dignidade em nossos presídios.
- Tem razão, alteza. Bem, está decidido! - anuncia o presidente do digníssimo clã estrelado, apanhando o telefone e fazendo uma ligação. - Alô! Marcola, meu querido! Que satisfação falar com você. Quanto tempo! Eu tenho um carguinho disponível, e gostaria que você me indicasse um dos seus homens de confiança. É negócio do bom. Coisa pra profissional! - pausa, enquanto escutava a resposta do outro lado da linha. - Como assim não se mete em negócios com nosso clã?! - nova pausa – Que papo é esse de moralidade, mano? - longa pausa – Também não precisa esculachar! - enrubesce Abutre – Chega de lição de moral, Marcola! Vamos encerrar o assunto por aqui. - conclui a atordoada estrela, Abutre, desligando o telefone e fazendo nova ligação. - Fernandinho! Há quanto tempo!... O que é isso Fernandinho?! Isso é jeito de tratar os amigos?!... Filha do quê?! Isso são modos, Fernandinho?!....
     E assim, por longas horas, se deu a difícil tarefa de encontrar alguém com a dignidade e a moralidade a altura desse importante cargo do digníssimo clã estrelado e sua constelação de inocentes úteis.



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