sábado, 11 de abril de 2015

A vergonha dos ratos


 Ratos. Os ratos, agora soltos, corriam pela casa que deveria ser a casa do povo. Há muito pouco de povo nessa casa, constatam os ratos. Há muito de hipocrisia, concordam os roedores. E há muita injustiça. É uma injustiça e indignidade compararem esses homens engravatados, que enfestam essa casa, a nós. – revoltam-se os ratos. O que somos, sempre fomos, nunca dissimulamos ou camuflamos nossas formas e nossos hábitos, argumentam os ratos. E quanto a esses que a aí estão, vestidos de terno, gravata e soberba? Quem de fato são? São representantes do povo, respondem os humanos. Representam o povo? - indagam os ratos, com evidente escárnio. Representam a eles mesmos! Seus partidos e seus interesses. - concluem, divertidos. Os homens parecem crer que somos, também, idiotas. - cochicham os roedores. Horas e horas de interrogatório, para ouvir um propineiro de partido mentir! E com a permissão da justiça para que minta sem dó nem cerimônia. E com toda pompa, o salário dos atores e figurantes, e até as propinas do interrogado, pagos com dinheiro do povo! - gargalham os ratos que assistiam ao espetáculo.
E eles têm medo de nós! - percebe um dos ratos ao observar a forma como aqueles homens tentavam se esquivar da presença dos bichinhos. - Deviam temer o seu povo. Um povo que assiste todos os dias essa gente, seus representantes, barganharem seus votos em troca de dinheiro público. Negociarem carguinhos, apoio e favorecimentos de toda sorte. Um povo que vê em noticiários o seu dinheiro sendo roubado em esquemas de corrupção onde a engrenagem mestra da calhordice está nas mãos de vários desses eleitos, representantes do povo. Um povo assim, de tal forma afrontado, deveria, a essas alturas, estar urrando como leão. - acreditam os ratos. Será? Pouco provável. - respondem alguns engravatados, escolhidos pelo povo, com a confiança dos que há muito se locupletam com a ignorância e inércia de seu povo. O povo se acostumou a ser otário, assim como os ratos se habituaram com o esgoto. Na falta de coisa melhor, pensa o povo, melhor ficar com os ratos que conhecemos.
Que sujo e fétido lugar, este. Que vergonha uma gente assim. Que curioso povo habita essa terra: tão iludido, ludibriado, roubado, mas sempre tão comodamente conivente. - refletem os ratos, com perplexa tristeza. Melhor voltarmos aos esgotos. - decidem os roedores. - E se para lá voltamos, não é por termos nos acostumado com os dejetos, como o povo dessa terra. É por que aqui não encontramos perspectivas melhores que as de lá. Não para nós, os ratos legítimos, ou para o povo de vocês. Vocês, que vestidos de terno e despidos de vergonha, são ratazanas desse país. Tomara que o seu povo, algum dia, almeje algo mais do que dejetos e ratos. - despedem-se os pequenos e não engravatados roedores, deixando para trás o ilustre recinto.  

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