domingo, 5 de abril de 2015

Poliana, a rainha da sucata


 Poliana estava injuriada. Era um absurdo que ela, justo ela, uma rainha tão preocupada com os gastos públicos, fosse alvo de tamanha maledicência nas redes sociais. E de Oposição! Essa desgraçada criada por Democracia. Em tempos de crise mundial, precisava cortar gastos. Uma máxima dos neoliberais adotada pelos socialistas em momentos de tragédia anunciada. Pois, vejam só, foi só sua alteza resolver economizar um pouco do suado recurso dos contribuintes, que todos, até a plebe, resolveram criticar a rainha. Gente sem coração, ou noção de gestão pública. O que esse povinho esperava de sua carismática monarca? Que fizesse economia cortando uma centena dos seus bajuladores reais sem serventia? Ou que reduzisse os mais de três milhões gastos em propaganda oficial para vender ao povo um reino fantasioso e colorido, onde tudo, até a administração dos impostos, era uma obra de ficção? Não! Poliana era uma rainha criteriosa. Sabia como poucos administrar o dinheiro do povo. Cortava os gastos na raiz. Era intransigente com o desperdício de dinheiro público. Para corrigir extravagâncias e colocar na linha os esbanjadores, começara adotando uma medida drástica, mas moralizadora. Reduzira significativamente o número de fotocópias nas escolas. Era um absurdo o número de fotocópias gastas com as crianças nas escolas. Quanto papel desperdiçado! Onde foi parar a consciência ecológica desses fedelhos? Escola é para formar cidadãos adestrados para o mundo, e não pequenos delinquentes dos cofres públicos, indigna-se a monarca. Nessa páscoa, nada de criancinhas de pré-escola colorindo coelhinhos, pagos com os impostos do povo. Nada disso! Cada um desses aprendizes da imoralidade teriam direito a no máximo oito cópias no mês. E que os professores dessem um jeito de encaixar vinte ovinhos de páscoa em uma só página, e com paciência e critério, recortassem um para cada aluno. Poliana não aceitaria mais descalabros com o dinheiro público. Alguém precisava moralizar esse reino e começar a cortar o inútil e o supérfluo. E nossa magnânima era a pessoa certa para esse papel, seguindo a mesma lógica da Rainha Mãe do grande reino de Gigante Adormecido, apostava na Pátria Educadora minguando ainda mais os recursos.
Mas Oposição, que não entendia nada de economia, criticava até as compras da rainha. Sua alteza comprara, para benefício de seus súditos, uma patrola que abriria estradas e faria a economia do reino girar. E até isso Oposição questionava, a infame. Sem qualquer fundamento lógico ou de mercado. Só por ser uma máquina seminova, comprada em leilão, de um reinado vizinho e ideologicamente alinhado. Que seminova, que nada! - indigna-se a rainha. Era quase nova! Um verdadeiro achado! Nem procurando bem se conseguiria uma relíquia dessas. Artigo de colecionador. Só vinte anos de uso! Uma jovem máquina, na flor da idade. E, pasmem todos, mais barata que uma máquina nova. Isso sim é economia! Negocião da China, digna de Cuba. E quem avaliza o negócio é o contribuinte. Nossa rainha, Poliana, não entendia o porquê de tanta gente ainda preferir se endividar, mas comprar veículos novos ou com poucos anos de uso, já que qualquer Fusca de duas décadas sai muitíssimo mais barato. Uma pechincha! Um povinho assim, tão ignorante em economia, nunca sairia do chão. Precisariam aprender e estudar muito mais. Melhor reduzir mais um pouco as fotocópias das escolas. - reflete Poliana, preocupada. E cabrestear melhor os professores. Afinal, em tempos de mídia digital, toda ação desprovida de senso crítico e moralidade, gera uma imediata reação golpista nas malditas redes sociais. Redes sociais! Uma desgraça dessas ainda derrubaria rainhas. Melhor para Poliana não dormir de touca. Essa nova onda, quase um tsunami, de indignação das massas, prometia chegar bem perto da torre da rainha. Tomara que essa moda de Justiça enquadrar corruptos não passe de uma marolinha. Para a polícia, e para o povo, sem vergonha é sem vergonha. E a cara dos sem vergonha, quando pegos, aparece em preto e branco, em jornais. Não se gasta nenhum centavo de recurso público para reproduzir, em xerox. E nenhum pai, ou mãe, permitiria que seu filho perdesse tempo tentando colorir essas asquerosas figuras. Para o povo desse reino, é preferível ver seus tributos gastos em fotocópias para crianças colorirem o Shrek, o Diabo da Tasmânia, o Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa, do que ter de sustentar centenas de parasitas inúteis e sucatas com prazo de validade vencido. Só Poliana ainda não conseguira entender essa lógica. Mas entenderia, prometiam as redes sociais. Com gritos, berros e manifestações de rua, até os muito alienados sentiriam o aperto da mão do povo na garganta. Nem mesmo nossa carismática monarca, Poliana, sairia impune. Mesmo com os milhões que abundam em marketing e faltam nas escolas de nossas crianças. Nem mesmo assim, os imorais deixariam de ser coloridos com a pecha da indignidade. Por nós, ou por nossas crianças, futuro desse reino.

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