domingo, 21 de junho de 2015

As estações mudam, mas Poliana não muda


 Dentro de sua redoma de vidro fumê, Poliana observava seu reino nesta fria e nublada primeira manhã do inverno. Passados tantos invernos como soberana popular e carismática, seu reinado parecia estar se desgastando, quase tanto como desgastado encontrava-se o velho e rachado castelo real. Poliana, sempre tão otimista, já não tinha certeza de quem ruiria primeiro: ela ou o histórico prédio. Nem mesmo a blindagem cor de rosa de sua redoma protegia sua alteza da dura realidade do mundo real. Se, em tempos de vacas gordas, com recursos jorrando sobre seu estrelado reino, não conseguira sequer tapar os buracos no asfalto, como faria agora para cobrir os rombos no orçamento?
- Parece, Espelho Mágico, que o nosso alinhamento era tão perfeito que nos alinhamos até na desgraça. - constata Poliana, dirigindo-se ao seu fiel objeto.
- Como sempre, alteza, devo concordar. Esperemos que sua popularidade consiga escapar do alinhamento, caso contrário estaremos em maus lençóis. Em tempos de crise, será necessário muito mais do que bater uma bolinha na periferia, servir linguiçinha para o povão e inaugurar churrasqueiras. O povo costuma ficar bastante rabugento quando a crise bate em suas portas.
- Mas o que mais eu posso fazer, Espelho Mágico? Gerenciar as finanças do reino é como trafegar nas nossas vias públicas. É só desviar de um buraco para cair em uma cratera! - lamuria-se a sofredora monarca.
- Nesse momento, rainha, é hora de mostrar a que veio. Você precisar cortar Poliana!
- Os pulsos? - pergunta a monarca, depressiva, desembrulhando um de seus adorados bombons de amarula.
- Não. Os gastos.
- Eu estou cortando! Mas cada vez que eu corto uma coisinha, a maldita Imprensa Livre e as odiosas redes sociais, se unem para me desmoralizar. Gentinha desocupada e sem noção de economia. - resmunga Poliana, a monarca incompreendida.
- Você cortou o quê, alteza? - questiona o Espelho, desconfiado.
- Fotocópia para as crianças nas escolas.
- Sei... - suspira o outro, medindo as palavras para não desencadear as conhecidas crises de destempero da rainha. - Não seria o caso de cortar algo um pouco mais supérfluo?
- Eu cortei! Cortei ambulâncias e socorro, e quase fui linchada por isso! - lamuria-se.
- Com todo respeito, alteza, mas cortar recursos para crianças e doentes não me parece lá estrategicamente muito inteligente. - rebate Espelho Mágico.
- Você está me chamando de burra, seu espelho imprestável?! - exaspera-se Poliana, com seu conhecido timbre esganiçado.
- Claro que não, magnânima! Todos sabemos o quão profunda é sua inteligência e sabedoria! Tão profunda quanto o pré-sal! - ensaboa o Espelho para evitar uma crise de estrelismo real. - "E quase tão inexplorada, também." - completa em pensamento. - Talvez, alteza, esteja lhe faltando assessoria.
- Assessoria, é? Pode ser. Talvez eu deva criar mais umas pastas e contratar mais bobos e pajens. - reflete a rainha, saboreando outro bombom.
- Pelo amor de Deus, Poliana! Você já tem tantos bobos da corte e pajens que, se por desgraça, todos resolvessem comparecer nos seus locais de trabalho o velho castelo desmoronaria por excesso de peso!
- Esse risco não corremos. O de todos meus bobos e pajens resolverem trabalhar, quero dizer. A maioria deles nem sabe onde fica o castelo. Quanto ao castelo desabar, é bastante provável, devo admitir. Ele parece um pouco surradinho, visto de perto. - afirma, dando de ombros e levando mais um bombom de amarula à boca.
- Pois é isso mesmo que estou tentando dizer! Seu reinado tem mais glúteos que cadeiras. E, definitivamente, mais cabeças do que cérebros. É preciso cortar cabeças, Poliana!
- Cortar meus adoráveis bobos e pajens? - pergunta a rainha, perplexa.
- Isso mesmo.
- Mas então, quem irá concordar comigo?! Massagear meu ego em momentos de crise? Enxergar o mesmo reino cor de rosa que eu? E carregar minhas malas nas viagens?!- apavora-se Poliana, frente a um cenário tão catastrófico.
- Pense um pouquinho, Poliana. Você tem um bobo da corte só para carregar sua bagagem. Outro bobo para coordenar a pintura dos estacionamentos oblíquos. E mais outro para cuidar das duas únicas câmeras de segurança do reino. E assessores, então?!São duzias deles! Veja só a pasta de Marketing, Mídia e Ilusão de Ótica? Tem um assessor só para tirar fotos suas, outro para fazer fotoshop, outro para editá-las e um bobo só para divulgá-las. E cada um desses, tem um outro assessor para fiscalizar o serviço. Tem pasta que tem mais chefes que subordinados, Poliana! Tem até chefe que recebe salário para chefiar a si mesmo!
- Da forma como você pinta, Espelho Mágico, parece mesmo que há um pouquinho de exagero.- pondera a rainha, reflexiva.
- Ufa! Até que enfim caiu a ficha. - respira o outro, aliviado. - Você finalmente vai cortar o que está sobrando, rainha?
- Claro que sim! - confirma a monarca, erguendo-se decidida. - Preciso tomar coragem e ousar!
- Bravo, Poliana! É isso que o povo espera de uma verdadeira monarca!
- Pois, assim será! - anuncia - Começarei cortando a contratação dos serviçais aprovados no concurso! Como você bem me alertou, já temos gente demais. Não podemos nos dar ao luxo de admitir ainda mais médicos ou professores. Os salários deles são estratosféricos, todos sabem. Não devemos esbanjar o suado dinheiro do contribuinte. Depois, cortarei um pouco dos remédios distribuídos à população. São tantas variedades que os doentes nem vão dar por falta de alguns itens. Quem sabe cortar alguns exames também? Com tantas academias ao ar livre construídas por mim, o povo deve andar com a saúde em dia. E as viagens! Poderemos cortar as viagens! Não as para a Costa do Sauípe, é lógico, mas podemos reduzir a quilometragem absurda do transporte escolar.
- Mas, Poliana... - tenta retrucar o desesperado Espelho Mágico.
- E o mais importante de tudo! - grita Poliana, apontando o dedo para o surpreso espelho. - Você, seu espelho estúpido, vai voltar para a gaveta de onde não devia ter saído! Se eu quisesse escutar críticas e verdades, ouviria o povo e aquelas ridículas redes sociais! - continua a rainha, rubra da mais legítima indignação. - Já pra gaveta, e não me saia mais de lá! Você vai mofar por lá junto com minha ideologia socialista e todas as promessas de Horário Eleitoral. - sentencia Poliana, soberana absoluta em soluções estapafúrdias para momentos de crise, e a liderança perfeita para um exército de sem serventia remunerados com dinheiro público.

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