domingo, 14 de junho de 2015

Poliana, a rainha da praia


 Os tempos eram de crise econômica, dinheiro minguando e obras paradas. Mas não no reino de Poliana. Por aqui dinheiro público jorrava, e o local era um verdadeiro canteiro de obras. Poliana era mesmo uma rainha digna de inveja. Ninguém conseguia fazer milagres como ela. Sua visão administrativa e esquizofrênica só se comparava a de sua estrela guia, a Rainha Mãe de Gigante Adormecido.
Pois, não é que enquanto o nosocômio local agonizava lenta e tragicamente em dívidas e déficits, serviços médicos eram adiados por falta de pagamento, doentes deixavam de ser atendidos e fornecedores eram empurrados com a barriga, nossa monarca tinha outras prioridades. Pensar em doenças e doentes só trazia mau agouro, acreditava Poliana, com seu jeitinho cor de rosa de ver o o mundo. Era preciso mudar o foco. Criar uma agenda positiva. Para isso, precisaria de ajuda divina. E como a fama de seu clã era de fazer o diabo, nossa rainha acreditava que era necessário comprar o apoio do divino. Assim, abrira as torneiras públicas para obras de boa fé. E era um torneio de puxadinhos em igrejas. Banheiros em capelas. Dezenas de churrasqueiras e duzias de canchas de bochas em salões paroquiais. Metros e metros de ripas de forros de sacristias. Para acalmar a comunidade, e garantir que um pouco de cimento e argamassa fossem vistos lambuzando alguma coisa no reino, sua alteza pulverizava recursos em salões comunitários e associações de moradores. Dois, três metros de piso aqui, mais um pouquinho de reboco ali, mais meia dúzia de churrasqueiras e canchas de bocha acolá (eta povinho para comer churrasco e jogar uma bochinha, surpreendia-se Poliana). E assim, sem fazer quase nada, sua alteza vangloriava-se de fazer quase tudo, e de grão e grão, iam-se os parcos recursos dos contribuintes.
Mas para os mal amados que criticavam a forma participativa e democrática de distribuição de dinheiro público de nossa rainha, ela tinha a resposta na ponta da língua: é o povão que decide! O povo clama por essas obras, e o anseio do povo é o meu anseio também, afirma Poliana, com os olhinhos de biscuit rasos de lágrimas complacentes. O que posso eu fazer se o povo prefere canchas de bochas a medicamentos? A veia esportiva está na alma de meus súditos, acredita a monarca. E sua consulta popular comprova isso. Pois não é que uma das demandas mais votadas pela população foi justamente o investimento num tradicional esporte local. O beach soccer! Futebol de praia, para os mais ignorantes. Isso mesmo!Esporte praticado por essas bandas desde a colonização. Na barranca do rio, e na beira dos açudes, provavelmente. Mas, os 175 mil que Poliana doaria caridosamente a essa modalidade aparentemente tão em moda por aqui, prometia ser só o começo. Nossa rainha, com sua visão de longo alcance, sonhava com voos ainda maiores. Ao invés de transpor, a cada veraneio, milhares de cidadãos locais para as praias de outros reinos, pretendia nossa alteza, transpor o mar e a areia do oceano para cá! Transformaria seu reino, tão desprovido de atrativos turísticos, na mais alta praia do mundo, situada a quase 800 metros do nível do mar. As ridículas obras de Dubai se turvariam de inveja frente a visão e empreendedorismo de nossa soberana.
E como no fantástico reino de Poliana, antes e ao final de tudo, está a propaganda, sua equipe de marketing já trabalhava freneticamente no projeto. O layout da campanha publicitária estava quase concluído. Em poucas semanas seria o assunto principal de Imprensa Livre. Constava de uma imensa foto colorida e ensolarada, com um montinho de areia, um baldinho de água, e uma pazinha de brinquedo. Em cima, a manchete: “Transposição do oceano já está operacional.”
Seria só correr para torcida, comemora Poliana, a rainha do churrasco, da bocha e, agora, do beach soccer! Que sorte desse povo viver em um reino tão ensolarado, sem miséria, sem falta de leitos ou excesso de doentes, e onde a bola corre solta nas areias do futebol de praia. Ou no bolso dos contribuintes desatentos.

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