domingo, 23 de agosto de 2015

Mortadela, a nova ideologia


 Poliana estava injuriada. Em tempos de manifestantes vestidos de verde e amarelo tomando as ruas, também Poliana fora alvo de palavras de descontentamento e revolta de seus súditos. Até aí, tudo certo. A tolerante Poliana era capaz de identificar e respeitar as tendências. E a nova moda em todo Gigante Adormecido era essa estranha massa com as cores da bandeira e cantando hinos, ao invés de gritos de guerra. Um tanto démodé, acreditava Poliana, torcendo seu empinadinho nariz.
O que Poliana não podia aceitar era o total silêncio de seus companheiros nos dias seguintes. Nenhum ato de desagravo, ou mesmo de apoio a Rainha Mãe, acorrera no reino de Poliana. Sequer uma passeatinha patrocinada pelos Companheiros Unidos no Trambique (CUT). Nada de ruas interrompidas em horário de pique, ou porcos obstruindo a entrada de bancos. Ou mesmo um pneuzinho queimado na praça central. Nada! Nadinha. Nem bandeiras, nem estrelas, nem balões vermelhos. Só o silêncio. Onde estariam seus companheiros, questionava-se a monarca. Não podiam alegar que estavam trabalhando. Afinal, Poliana bem sabia que os que não mamavam na fonte sem fim dos movimentos sindicais, mamavam nas inesgotáveis tetas dos contribuintes de seu reino. Estavam sempre a serviço do clã estrelado.
Onde foi que se meteram esses energúmenos, esbravejava em pensamento nossa socialite socialista. Até das redes sociais haviam desaparecido. Ao invés de frases de Che Guevara ou de deboche a elite verde-marela, só se viam receitas de comida e bandeiras de time de futebol. Um disparate em momentos de crise política e de popularidade do clã estrelado. Crise! Devia ser essa a explicação para o sumiço da companheirada, reflete Poliana. A crise atingira o bolso de todos, lastima nossa rainha. Certamente escassearam os recursos para o tradicional pão com mortadela, iguaria bastante apreciada pelo exército vermelho. Nos tempos atuais, mesmo os mais engajados companheiros não saiam de casa para defender suas inabaláveis crenças sem um bom sanduíche de mortadela que lhes dessem substância. Se havia uma coisa que Poliana aprendera em todos esses anos de seguidora da estrela, era que toda convicção precisa de uma consistente ideologia para se manter firme e sólida. Sem ideologias não há argumentos ou motivações legítimas, ensinava seu clã. A mortadela era a nova ideologia de seu clã, constata Poliana. Um recheio a altura do que se tornaram os companheiros. Que fase! - choraminga Poliana. Mais que a falta de moralidade, o que ainda afundaria irremediavelmente seus companheiros seria a falta de mortadela. Que a mortadela sempre abunde, como abundam as propinas, implora a sempre otimista Poliana.

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