E o garotinho fez uma ceninha.
Simulou, chutou, esbravejou e gritou. Só faltou se finar, feito criança
pequena. Não estava acostumado com limites. Limites! Que falta faziam os
limites em uma sociedade, pensa o velho, observando a criança que berrava no
corredor do supermercado, exigindo um pote de Nutella, sob o olhar
constrangido e passivo dos pais. Corredor que se esvaziara rapidamente, em claro
sinal de repulsa da sociedade a ditadura das crianças e a inércia de seus
genitores. Alguém devia proteger esses
pequenos da incompetência de seus pais, reflete o velho, carregando suas
sacolas para fora do local.
Já em casa, enquanto arrumava as
poucas compras em seus lugares, escutava as notícias do telejornal, onde um
outro Garotinho, esse bem mais crescido, mas igualmente desconhecedor de
limites, também fazia uma ceninha, tentando escapar da prisão. Que tipo de pais
criaram uma figura de tal forma arrogante a ponto de se prestar a esse papelão
ridículo, questiona-se o ancião, balançando a cabeça em desagrado. Que tipo de
sociedade permitira que uma figura tão patética chegasse onde chegou, suspira
impaciente.
Mas as notícias continuavam, e passavam
rapidamente de Garotinho a garotões. Adolescentes permaneciam ocupando escolas
em todo território nacional. Jovens tentavam, a força, invadir universidades
privadas. Universitários tomavam para si prédios públicos, como se por serem
públicos fossem deles. Funcionários públicos marmanjões, durante um legítimo
protesto, legitimaram sua total intransigência e autoritarismo, agredindo
fisicamente um conhecido repórter, justamente por ser este da grande imprensa. Manifestantes,
saudosos da ditadura, adentraram agressivamente no Congresso Nacional, alegando
ser aquela a Casa do Povo, enquanto defendem um regime autoritário onde essa Casa
seria extinta, e a democracia também. Flashes curiosos desse país de dimensões
continentais e imbecilidades abissais.
Terminadas as tarefas domésticas,
o velho puxa um banquinho e senta-se, sozinho, em frente ao borralho.
Lentamente enrola um palheiro, seu parceiro de meio século. Seu médico alegava
que esse hábito acabaria por lhe abreviar a vida. Para esse octogenário parecia
que as notícias de seu país lhe abreviavam as esperanças e a crença na
humanidade, de tal forma que chegava a desejar que os prognósticos médicos se
concretizassem o mais rápido possível. Já não era a catarata que lhe turvava a
visão, e sim uma imensa tristeza por esses moços que via nos noticiários. Esses
moços, pobres moços, talvez até saibam o que querem. E querem, como queremos todos,
um mundo melhor para jovens e velhos. O que esses moços não sabem é que existem
limites, e limites precisam ser respeitados. Falharam e falham os pais, ao não
darem limites a suas crianças. Falhou - e falha - a sociedade, ao condescender com
a falta de limites de nossos moços. Uma sociedade sem limites é território de
tiranos, reflete o velho, tragando seu palheiro. Quem coloca seus ideais e
convicções acima do direito de outrem, não respeita nada que não o próprio
umbigo. São mimados idealistas. Apenas isso. Em resumo, são apenas egoístas com
pouco cerne. Ideais se tornam desprezíveis quando desprezíveis são os que
empunham suas bandeiras. Uma nação onde instituições são passivamente
coniventes com o ilegal, o imoral, e o ilegítimo, e onde uma minoria é capaz de
se sobrepor ao direito da maioria, é uma terra de ninguém. E, nessa terra de
ninguém, quem conseguir se finar e espernear melhor, será o dono da bola, do
campo e dos holofotes. Aos demais, resta assistir ao teatrinho dessa geração de
revolucionários movidos a Nescau e pão com Nutella. Tão cheios de direitos, e
tão vazios de deveres e responsabilidades. Esses moços, tristes moços, não
sabem e jamais saberão o que é ser gente de verdade, suspira o velho,
entristecido, apagando seu palheiro. Serão eternas crianças ranhetas e
birrentas, dignas de pena, somente. O pior destino de um jovem é não amadurecer
jamais. O pior destino dessa nação é ser sempre Brasil, terra de corruptos
arrogantes e de mocinhos mimados e inconsequente, lastima o velho, iniciando o
preparo do almoço de domingo.
Há décadas era assim. Aos
domingos o almoço era por sua conta. Sua esposa dormia até mais tarde nesse dia.
Não era fácil a vida de casado, sorri o ancião. Sua velha, depois de tantos
anos, ainda reinava como uma jaguatirica. A vida em família é como a vida em sociedade,
só se sustenta com respeito e muita tolerância. Tomara que os moços aprendam
isso antes de casarem, deseja o velho. Caso contrário, a vida conjugal irá lhes
arrancar as mesmas orelhas que seus pais, por covardia e acomodação, tiveram dó
de fazê-lo. Melhor orelhas ardentes em tenra idade, do que uma vida decadente e
vazia na idade adulta, constata o velho, preparando o chimarrão para sua
parceira de cinquenta anos. Quem sabe os moços um dia virem homens. Quem sabe, espera
o velho, descrente.
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