sábado, 19 de novembro de 2016

Esses moços, pobres moços

E o garotinho fez uma ceninha. Simulou, chutou, esbravejou e gritou. Só faltou se finar, feito criança pequena. Não estava acostumado com limites. Limites! Que falta faziam os limites em uma sociedade, pensa o velho, observando a criança que berrava no corredor do supermercado, exigindo um pote de Nutella, sob o olhar constrangido e passivo dos pais. Corredor que se esvaziara rapidamente, em claro sinal de repulsa da sociedade a ditadura das crianças e a inércia de seus genitores.  Alguém devia proteger esses pequenos da incompetência de seus pais, reflete o velho, carregando suas sacolas para fora do local.

Já em casa, enquanto arrumava as poucas compras em seus lugares, escutava as notícias do telejornal, onde um outro Garotinho, esse bem mais crescido, mas igualmente desconhecedor de limites, também fazia uma ceninha, tentando escapar da prisão. Que tipo de pais criaram uma figura de tal forma arrogante a ponto de se prestar a esse papelão ridículo, questiona-se o ancião, balançando a cabeça em desagrado. Que tipo de sociedade permitira que uma figura tão patética chegasse onde chegou, suspira impaciente.

 Mas as notícias continuavam, e passavam rapidamente de Garotinho a garotões. Adolescentes permaneciam ocupando escolas em todo território nacional. Jovens tentavam, a força, invadir universidades privadas. Universitários tomavam para si prédios públicos, como se por serem públicos fossem deles. Funcionários públicos marmanjões, durante um legítimo protesto, legitimaram sua total intransigência e autoritarismo, agredindo fisicamente um conhecido repórter, justamente por ser este da grande imprensa. Manifestantes, saudosos da ditadura, adentraram agressivamente no Congresso Nacional, alegando ser aquela a Casa do Povo, enquanto defendem um regime autoritário onde essa Casa seria extinta, e a democracia também. Flashes curiosos desse país de dimensões continentais e imbecilidades abissais.

Terminadas as tarefas domésticas, o velho puxa um banquinho e senta-se, sozinho, em frente ao borralho. Lentamente enrola um palheiro, seu parceiro de meio século. Seu médico alegava que esse hábito acabaria por lhe abreviar a vida. Para esse octogenário parecia que as notícias de seu país lhe abreviavam as esperanças e a crença na humanidade, de tal forma que chegava a desejar que os prognósticos médicos se concretizassem o mais rápido possível. Já não era a catarata que lhe turvava a visão, e sim uma imensa tristeza por esses moços que via nos noticiários. Esses moços, pobres moços, talvez até saibam o que querem. E querem, como queremos todos, um mundo melhor para jovens e velhos. O que esses moços não sabem é que existem limites, e limites precisam ser respeitados. Falharam e falham os pais, ao não darem limites a suas crianças. Falhou - e falha - a sociedade, ao condescender com a falta de limites de nossos moços. Uma sociedade sem limites é território de tiranos, reflete o velho, tragando seu palheiro. Quem coloca seus ideais e convicções acima do direito de outrem, não respeita nada que não o próprio umbigo. São mimados idealistas. Apenas isso. Em resumo, são apenas egoístas com pouco cerne. Ideais se tornam desprezíveis quando desprezíveis são os que empunham suas bandeiras. Uma nação onde instituições são passivamente coniventes com o ilegal, o imoral, e o ilegítimo, e onde uma minoria é capaz de se sobrepor ao direito da maioria, é uma terra de ninguém. E, nessa terra de ninguém, quem conseguir se finar e espernear melhor, será o dono da bola, do campo e dos holofotes. Aos demais, resta assistir ao teatrinho dessa geração de revolucionários movidos a Nescau e pão com Nutella. Tão cheios de direitos, e tão vazios de deveres e responsabilidades. Esses moços, tristes moços, não sabem e jamais saberão o que é ser gente de verdade, suspira o velho, entristecido, apagando seu palheiro. Serão eternas crianças ranhetas e birrentas, dignas de pena, somente. O pior destino de um jovem é não amadurecer jamais. O pior destino dessa nação é ser sempre Brasil, terra de corruptos arrogantes e de mocinhos mimados e inconsequente, lastima o velho, iniciando o preparo do almoço de domingo.

Há décadas era assim. Aos domingos o almoço era por sua conta. Sua esposa dormia até mais tarde nesse dia. Não era fácil a vida de casado, sorri o ancião. Sua velha, depois de tantos anos, ainda reinava como uma jaguatirica.  A vida em família é como a vida em sociedade, só se sustenta com respeito e muita tolerância. Tomara que os moços aprendam isso antes de casarem, deseja o velho. Caso contrário, a vida conjugal irá lhes arrancar as mesmas orelhas que seus pais, por covardia e acomodação, tiveram dó de fazê-lo. Melhor orelhas ardentes em tenra idade, do que uma vida decadente e vazia na idade adulta, constata o velho, preparando o chimarrão para sua parceira de cinquenta anos. Quem sabe os moços um dia virem homens. Quem sabe, espera o velho, descrente.

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