sábado, 28 de janeiro de 2017

O tom de Doria

Acho bonito os grafites, pelo menos parte deles. As pichações são um lixo, todas elas. Mas está coberto de razão o prefeito de São Paulo, João Doria Júnior, grafite tem de ter o seu lugar. Como tudo aliás, de carnaval a sexo. Triste de uma sociedade que não sabe o lugar das coisas. Grafites espalhados pela cidade dão um ar de abandono e descaso do poder público. E é exatamente disso que se trata: abandono, descaso e a falta que o poder público faz quando não é capaz de colocar as coisas no seu devido lugar – de pichadores a assassinos.
 
           Assistir nos últimos dias a comoção histérica de artistas globais e da mídia (e como andam histéricos alguns intelectuais e a mídia ultimamente, deve ser algum novo vírus) com a campanha de Doria de limpeza da cidade chega a ser divertido. Falam da importância do grafite na nossa cultura como se Cabral quando aqui aportou tivesse encontrado índios pelados grafitando as árvores com a seiva de Pau-Brasil. Argumentam que é a arte popular ocupando legitimamente os espaços públicos. Não é! Espaços públicos são públicos, são de todos não de alguns, mesmo que sejam Michelangelos e Picassos. Está mais que na hora de acabarmos com essa palhaçada (bem assim, palhaçada, é preciso colocarmos os adjetivos no seu lugar também) de repetir para a população que “temos de ocupar o que é nosso”, que qualquer porcaria é arte e que todo lixo que algum grupo inventar é representação da cultura brasileira. Propalar essas baboseiras é querer enfiar na cabeça do povo uma cultura de desrespeito às leis e a ordem pública e desvalorizar tudo aquilo que de fato é arte, tradição e cultura para nós. E quem repete isso insistentemente? Os mesmos que em relação as carnificinas nos presídios gritam que o problema é que prendemos muito, punimos demasiadamente, que traficantes são vítimas da sociedade (vítimas de nós, bem entendido) e que a solução é a liberação das drogas e a libertação de todos os condenados por tráfico. Que romântico! Aquelas pessoas que nas favelas alvejam os helicópteros da polícia, assassinam turistas desavisados, e nos presídios degolam, decapitam e esquartejam, quando livres, nesse colorido país das drogas liberadas e sem tráfico, vão fazer o quê? Se tornarão empreendedores, decerto. Vão abrir açougues e franquias do McDonald’s talvez. Venderão milho verde e bijuterias em Copacabana. Os jovens “aviãozinhos” voltarão aos bancos escolares ávidos para ingressarem em uma universidade, cursar filosofia e estudar Foucault. Vai ser exatamente assim, entendem os atores globais, os intelectualoides de botequim e a grande mídia progressista. E ainda tem gente que acredita que maconha não sequela.
 
           Gosto do colorido dos grafites, desde que estejam no espaço reservado a eles. Aprecio a ideia colorida de um país de droga livre e violência zero, na categoria romances e ficções.  A realidade é cinza, como as paredes de Doria. Se pretendemos ser um país onde bandidos sejam punidos com restrição de liberdade em presídios dignos e não esquartejados sob o olhar aparvalhado do Estado, onde nós brasileiros não sejamos assaltados, violentados ou assassinados como vermes nas ruas, também sob as barbas do Estado, o poder público tem de ocupar os espaços públicos. O Estado precisa retomar o seu espaço, pois foi aí que tudo se perdeu. Precisamos conviver com o cinza para saber apreciar e valorizar as cores, mesmo as mais sutis, e aprender que cor em excesso cega, Estado ausente mata e a maconha sequela. Se não for assim, em breve, decapitar e esquartejar pessoas será considerado um importante traço de nossa cultura.
 

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