domingo, 8 de janeiro de 2017

Um reino sob nova direção

O momento era de festa para os que entravam e despedida para quem saía. O aspecto decadente do palácio real dava um certo ar melancólico à solenidade. A tinta dos velhos pilares desprendia-se da estrutura carcomida por rachaduras como se quisesse escapar furtivamente da ruína do prédio histórico.  A grande bandeira da praça central se fizera ausente na noite festiva. Já não tremulava majestosa há alguns dias. Por ironia, não estava em frente ao paço para saldar o novo rei, justo aquele que lhe reservara o local de destaque há quase vinte anos.  O mastro nu simbolizava o fim de uma época.

Uma serena Poliana acompanhava o desenrolar das formalidades. Era hora de ceder o trono e a coroa ao novo escolhido do povo. Poliana sempre soubera que este momento chegaria. E chegara. Correndo os olhos pelo palácio, sem enxergar os sinais de abandono do local, pensava que aquele não seria mais o seu castelo. No dia seguinte novos bobos e pajens ocupariam o lugar dos seus. Outras caras, outros conceitos, outra ideologia. Poliana já entrara para história, mas sabia que em pouco tempo seria só uma apagada lembrança.

Era hora de entregar a coroa, anuncia o cerimonial. Sua alteza, Poliana, em seu último ato real, retira lentamente a coroa da cabeça. Admira pela última vez o objeto repleto de simbolismos. O novo rei aguarda solenemente o próximo passo. Um tanto relutante Poliana demora-se um pouco até passar a coroa a seu sucessor. O gosto pelo poder entranha-se na alma dos poderosos feito os musgos nas rachaduras do palácio real.  Era o fim do reinado de Poliana. Um capítulo que se encerrava. O novo rei, com um cerimonioso sorriso, posa para as câmeras. Um outro capítulo se iniciava.

Uma escuridão imensa cai sobre Poliana. Os flashes já não eram mais seus. Sentiria falta dos holofotes quase tanto quanto do poder, suspira. Despedindo-se de seus velhos bobos da corte e aliados, caminha lentamente em direção a praça. Era novamente uma pessoa comum. Podia caminhar tranquila sem ser interceptada a cada cem metros por algum súdito queixoso. No centro da praça, para em frente ao chafariz. Estava seco e em desuso. Uma pena, pensa Poliana. Lembrava-se do tempo em que seus jatos coloridos jorravam graciosos e famílias inteiras se reuniam a sua volta para apreciar a dança das águas. Deviam demonstrar mais preocupação com os antigos símbolos do reino, reflete Poliana, balançando a cabeça desgostosa. Virando-se um pouco, lança um último olhar para o castelo, onde uma pequena multidão se aglomerava para parabenizar o rei recém entronado. O céu, até então encoberto, abre-se um pouco, permitindo que a luz da lua ilumine o imponente prédio. Poliana se surpreende com o que vê. Decadência e abandono descortinam-se aos seus olhos.  A estrutura toda parecia se curvar, cansada, sob o peso dos anos e da omissão. Quanto descaso com a história de um povo, entristece-se Poliana. Inadmissível que tenham deixado as coisas chegarem nesse ponto, indigna-se, seguindo lentamente o seu caminho de gente comum. Poliana já não era mais vidraça. Podia decidir tranquila o ritmo de seus passos. Não devia mais explicações a ninguém. Quer dizer... só a Justiça! – lembra-se Poliana, de súbito apertando o passo e olhando temerosa para os lados. Poliana, que enquanto rainha tantas vezes fizera pouco caso de Justiça, agora enfrentaria a espada da bruaca como gente comum. Melhor correr, constata Poliana - a comum - em sua nova e desembestada maratona.

E este pacato e hospitaleiro reino agora tem uma nova direção. O reinado de Chucrute, o ariano, se inicia. O reinado da mudança. É o que promete o novo rei e o que dele esperam seus súditos. Que seja Chucrute o rei de todos, e não um rei para o seus. Que evite, o ariano, a tentadora película cor de rosa que costuma encobrir a visão de quem governa, colorindo fantasiosamente a verdade e afastando o monarca da realidade cinzenta de seu povo. Que não abandone suas intenções e convicções no tortuoso caminho dos conchavos e interesses políticos. Que possa ser firme em suas certezas sem ser teimoso nos seus erros. Que saiba voltar atrás e corrigir o rumo de seu reinado sem medo de demonstrar fraqueza. A fraqueza é qualidade dos fracos, como a covardia é dos covardes e a incompetência dos incompetentes.  E este povo não o escolheu para ser fraco, covarde ou incompetente.  Que saiba defender seus acertos até quando estes não lhe rendam votos e aplausos, e que os defenda com afinco mesmo sob uma saraivada de vaias. Um rei não tem de ser popular, um rei precisa ser rei e pelo bem de seu povo reinar. Que saiba ouvir críticas - e detestá-las - sem jamais detestar aos seus críticos.  E em todas as vezes que as críticas, e os críticos, lhe parecerem excessivamente duros, saiba questionar se como rei não estaria sendo excessivamente cego ou convenientemente enganado.

São essas qualidades de um homem e é isso o que se espera de um rei. Um próspero e produtivo reinado Rei Chucrute! É o que lhe desejam seus súditos. Bom trabalho.

 

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